A grande reforma – um doloroso desafio!

Resolvi reformar minha casa. Sem consultar a mulher e os três filhos, pus-me a executar um plano modesto, que consistia em consertar alguns estragos provocados pelo uso, pela ação implacável da natureza e, em alguns casos, proporcionados pela obsolescência de diversos eletrodomésticos.

Doze anos havia se passado desde os últimos reparos e eu me sentia incomodado com o que, aos meus olhos, parecia velho e danificado. Na minha visão, sim, pois alguns amigos diziam não haver razão para o exagero.

Segundo eles, a casa estava linda.

Maravilhosa!

Eu pensava diferente.

Era julho de 2008 e a demanda por serviços naquela época estava superaquecida, com poucos profissionais disponíveis. A lei da oferta e da procura manifestara-se sem escrúpulos. Os bons profissionais estavam realmente ocupados; os “picaretas” não me interessavam.

Vali-me de alguns amigos e empresários da construção civil à procura da indicação certa, do profissional competente e responsável. Os primeiros indicados pediram dois meses de prazo para iniciar as obras.

As coisas, nesse particular, estavam difíceis.

As chuvas ameaçavam a produtividade, a qualidade dos trabalhos e o prazo de execução.

Por fim, a esperada indicação.

Um profissional competente me fora indicado por certo amigo. Seu nome, João. Seu auxiliar, Marcos. O primeiro trazia no currículo a realização de obras executadas para esse amigo, ao longo dos últimos dez anos. Excelente garantia. Não havia, portanto, motivos para preocupação. Os trabalhos estariam bem entregues e eu, ao final, satisfeito e recompensado pelo esforço.

Esse amigo marcou mais um ponto em minha agenda de consideração. Agradeci-lhe sobremaneira.

04 de agosto, início dos trabalhos.

Os materiais necessários, móveis, equipamentos e instalações foram adquiridos com antecedência para evitar o retardamento dos serviços. As faltas eventuais eram resolvidas prontamente, para que nenhuma alegação interferisse no prazo de execução.

Em dezembro de 2008, minha mulher e eu comemoraríamos quarenta e cinco anos de feliz matrimônio, cujas festividades contariam com a presença de parentes vindos do Recife, Campina Grande, João Pessoa e Rio de Janeiro.

A empolgação que nos acometeu facilitou o aumento do orçamento inicial. De modesta reforma, transformamos a obra em trabalhos de vulto, extensos e caros. A sofisticação sempre foi um hobby caro de que minha mulher e minhas filhas se apropriaram. E, diga-se, com a participação da Eunice, mãe de meu genro, a quem devemos os projetos e a administração das obras.

***

João e Marcos trabalhavam em ritmo lento. Desperdiçavam preciosos minutos com assuntos estranhos ao objeto do contrato. O primeiro era dado a uma boa conversa; o segundo gostava de ouvir música, tendo os tímpanos agredidos pelo barulho de melodias cujas letras das canções foram compostas, Deus sabe por quem!

Um horror!

Os meus contratados portavam dois telefones. Cada um. Os chamados eram constantes e quase sempre motivavam ausência ao trabalho. Diziam sair para resolver problemas inadiáveis.

Quantos problemas, meu Deus!

O serviço não andava.

Decorridos mais de trinta dias, passei a contar com a primeira fase da obra, uma pequena cozinha situada na parte externa da casa. Os trabalhos consistiram em assentar cerâmica em quatro paredes, cerca de 40 m2, e de uma bancada em granito, em forma de “ele”, cujas pias já vieram colocadas pela marmoraria.

Mais de trinta dias!

Um exagero, mesmo para o mais lento dos profissionais.

Durante o período de execução dos trabalhos, João, sempre necessitado de dinheiro, pedia cada vez mais adiantamentos financeiros. E eu os concedia, na esperança de torná-lo mais célere, abreviando o sofrimento de todos que habitávamos a casa, cheia de materiais e equipamentos comprados antecipadamente.

Terminadas as obras da cozinha externa, verificamos que a porta ficara mais alta do que a janela que serviria de passa-prato. Fomos obrigados a retirá-la para nivelá-las. Cortamos dez centímetros da porta, de sorte que as molduras ficaram, por fim, ao nível da referida janela. Sanado o problema, demos início a instalação das duas geladeiras e do fogão. Nenhum, porém, conseguiu passar pela abertura da porta. Era mais estreita que os benditos eletrodomésticos. A alternativa foi introduzi-los pelo vão do passa-prato. Dias depois, trocamos o piso da “sofrida” cozinha, para também corrigir defeito de nivelamento. A água da limpeza empossava no lado oposto à saída.

Um drama após outro!

Saídos desse sofrimento, iniciamos a reforma do banheiro social, também entregue aos cuidados do João, na tentativa de recuperar os quatro milhares de reais devidos a título de adiantamento.

Removidos os revestimentos das paredes e retirados a cerâmica do piso, a pia, torneiras e registros, João e seu auxiliar gastaram quarenta e cinco dias para colocar as peças de porcelanato nas paredes e no piso, trabalho refeito por diversas vezes, em virtude de impropriedades estéticas e erros técnicos elementares. Incontáveis falhas de procedimentos e um sem-número de irregularidades foram sanados após a contratação de especialistas nas áreas de eletricidade e hidráulica. A limpeza das peças assentadas, como a remoção de substâncias impregnadas nas superfícies dos porcelanatos, exigiu um trabalho ingente e dispendioso.

Os serviços do malfadado banheiro social não foram concluídos por João e seu assistente, Marcos, transferidos para outra atividade. A conclusão dos trabalhos somente ocorreu após a contratação de novo mestre, rapaz competente que substituiu peças mal colocadas e corrigiu impropriedades estéticas; coube-lhe, ainda, o assentamento da pia e do vaso sanitário, importados da Espanha. A parte elétrica e a colocação dos metais nobres, como chuveiro, torneiras e registros ficaram a cargo de outros especialistas. Um quarto operário montou o box de vidro temperado.

O banheiro social, enfim, ficou liberado, depois de ter sido iniciado há mais de sessenta dias. Contado o episódio, transformado em verdadeira epopéia, poucos acreditaram na incrível obra, considerada pelo próprio João como sua desmoralização profissional.

E que profissional!

Devedor de considerável soma, decorrente dos constantes adiantamentos financeiros obtidos ao longo de extensa jornada improdutiva, razão por que mantive o João e seu assistente à frente dos trabalhos da reforma, transferi a dupla para os serviços da cozinha interna, denominada Espaço Gourmet, dependência projetada para ser a jóia da casa, haja vista os materiais e equipamentos sofisticados que iria receber.

João atribuiu ao Marcos à impermeabilização das pedras de granito que revestiriam o piso do Espaço Gourmet. Cada peça media 50x50 cm. O material impermeabilizante, da Rhodia, de excelente qualidade, foi aplicado seguindo orientação do mestre. Marquinhos, como, aliás, era chamado pelo patrão, ao final do dia transportava o material já tratado, depositando-o em lugar protegido da chuva. Quando, oportunamente, foi transferido para outro local, constatou-se que as pedras estavam grudadas indelevelmente uma na outra.

Marcos juntara as faces impermeabilizadas, inda frescas. A cola, de alto poder adesivo, não permitiu o descolamento das peças. Resultado: ficaram danificadas e, consequentemente, perdidos mais de cinquenta por cento do granito a ser aplicado no piso do sonhado Espaço Gourmet. Outros trinta por cento ficaram imprestáveis, em virtude do impermeabilizante, molhado por água da chuva, ter provocado uma mancha amarelada, impossível de ser retirada, resultando na recusa do produto para fins de aplicação.

Um baita prejuízo!

Não chamei o João à responsabilidade. Arquei com todos os custos, acrescidos de mais de quatro mil reais devidos por ele, recebidos como adiantamentos. A Justiça não seria um bom caminho para reaver o meu rico dinheirinho, pois é lenta e ineficiente.

E o João não teria como pagar.

Depois de mais esse infortúnio, contratei uma equipe de variada especialidade: bombeiros, eletricistas, encanadores, carpinteiros, marceneiros, pintores e jardineiros associaram-se aos meus interesses e concluíram a obra que, ao final, custou duzentos e oitenta mil reais, aí incluídos uma diversidade de móveis, armários e eletrodomésticos.

Em 06 de dezembro de 2008, mais de cento e vinte dias após iniciada a “grande reforma”, inauguramos o empreendimento com a presença de queridos parentes e amigos.

Foram três dias de festejos, assemelhados à "Festa da Babete", consagrado filme em que a gastronomia francesa superou os obstáculos da protagonista, ao enfrentar seus adversários.

Como a Babete, conquistei meus convivas, esqueci os dissabores causados por João e Marquinhos e celebrei, com a esposa, os nossos bem vividos quarenta e cinco anos de casados.

Foi uma festa inesquecível!

Um acontecimento social marcante!

Um encontro que aproximou pessoas queridas.

Agora, passadas as agruras de um contrato malfeito e infeliz, curtimos o conforto proporcionado pela “Grande Reforma”.

Valeu à pena.

E serviu-me de exemplo.

Aprender com os próprios erros é uma virtude.

Terá sido o meu caso?