Não Pai, Eu Já Sei!

“Vinte e seis de maio de 1968. O cirurgião brasileiro Euryclides Zerbini e sua equipe realizam o primeiro transplante cardíaco da América Latina. Poucos meses antes, o Dr. Christian Barnard havia realizado, na África do Sul, a primeira experiência do tipo em todo o mundo.”

Essa notícia sensacional estava em todos os meios de comunicação: TV, jornais, encontros, nas conversas informais, familiares etc.

Em nossa casa o bate-papo acontecia, geralmente, na hora do almoço, quando a família estava reunida. E o assunto que “rolava” era sobre a escola, sobre futebol, sobre carros etc. Mas um dia, o “disco” virou. O Antônio fez a clássica pergunta:

- O que vocês vão ser quando crescer?

O Rodrigo, com 5 anos, já decidira em ser músico. Até então, com outras profissões ele já sonhara. Coveiro foi a primeira! Como era inconformado com a morte, seria uma boa saída para driblá-la. Tendo como função enterrar os mortos, ele ficaria isento (interessante a lógica infantil!).

E o Lúcio ainda não se definira. Com apenas 4 anos ainda teria muito tempo para decidir-se. Aí, então, o pai resolveu ajudá-lo. Mas o que fez foi colocá-lo num grande apuro, quando disse:

- “Lúcio, você meu filho, será um grande médico, como o Dr. Zerbini. Ficará famoso!”

Sem ainda entender bem o significado dessas palavras, Lúcio almoçava e olhava para o pai.

- “Ser médico é uma profissão muito bonita: a de curar pessoas. Veja só: você vai para os Estados Unidos e lá especializa-se em cirurgia do coração.”

O Lúcio ainda almoçando, teve um impacto: “meu Deus, cirurgia do coração?” pensa ele com seus botões. E já olha para o pai com a maior cara de espanto!

E Antônio continuou sem se importar com toda aquela rejeição do filho:

- “Você vai aprender a fazer transplantes de coração e ficará logo muito craque. Chega aquela pessoa passando mal e vai para a sala de cirurgia. Lá há muitos equipamentos, as enfermeiras ajudando e o doente ali é todo preparado . Você chega e recebe o bisturi. Abre o peito dele ( e fez o gesto com a mão no peito), tira aquele coração fraco e doente e coloca um coração bonito e saudável!”

Nessa hora, Lúcio já estava com os olhos arregalados, com o medo estampado no rosto e só teve força para dizer:

- “NÃO, PAI, EU JÁ SEI!!!”

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 14/07/2006
Reeditado em 16/09/2006
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