Saber relativo

Josué nasceu na zona rural do interior de Pernambuco. Seus pais eram humildes lavradores, rejeitados pela fartura e obsequiados pela miséria. Juntamente com os filhos, enfrentaram a seca e o sol escaldante do sertão na luta pela sobrevivência.

Os filhos do casal, uma menina de quatro anos, e Josué, próximo dos quinze, dividiam com os pais uma choupana coberta com telhas de zinco onduladas. O telhado metálico aumentava o calor de trinta e dois graus Celsius, média da temperatura local.

A modesta casa consistia de sala, quarto e cozinha. As paredes eram construídas de varas trançadas e rebocadas com barro vermelho-escuro. As frestas causadas pela deterioração do material argiloso abrigavam insetos hemípteros hematófagos, o “barbeiro”, protozoário causador da doença de Chagas.

Os pais – e as crianças menos ainda – não se davam conta do perigo e até se divertiam com a picada dos “bichinhos” que lhes sugavam o sangue dos cotovelos, propositadamente colocados nas fendas infestadas pelos nocivos vetores.

No quarto, um pequeno oratório guardava a imagem do “Padim Ciço”, a quem o casal se apegava nas horas mais difíceis da vida. Na sua ingenuidade, criam nos poderes do “santo”, que muito raramente recebia uma vela acesa em agradecimento por alguma graça alcançada.

Josué completara quinze anos. A madrinha, Dona Alice, o visitara para parabenizá-lo pelo significativo acontecimento. Como presente de aniversário, oferecera a casa na cidade onde ele poderia estudar e no futuro desfrutar de vida confortável.

Sem esperar a renovação do convite, o garoto transferiu-se para a casa dos padrinhos e iniciou os estudos. Com o tempo, já escrevia com desenvoltura e lia de “carreirinha” os versos impressos em folhetos da literatura de cordel, grande paixão de seu Joaquim.

Josué diplomou-se em contabilidade.

Não equipou o escritório com computadores, pois não acreditava na eficiência dessas máquinas. Preferia registrar os fatos contábeis manualmente, em grandes livros de capas pretas, um trabalho ingente que ele o preferia ao uso da informática.

Decorridos alguns anos, já cansado do trabalho estressante, Josué resolveu tirar férias, gozadas em belíssimas praias do litoral pernambucano. Utilizou a casa de veraneio cedida por um cliente. Passou ali trinta dias de tranquilidade e repouso, findo os quais retornou à labuta diária, rotineira e exaustiva.

Os empregados aproveitaram o ensejo e prepararam uma surpresa para Josué, patrocinada por antigos clientes. Resolveram fazer uma pequena reforma no prédio do escritório. Trocaram pisos, fecharam janelas, abriram novas portas, clarearam o ambiente, pintaram paredes em cores suaves.

Terminado o trabalho, ofereceram a Josué uma singela recepção, envolta em sigilo para aumentar a surpresa.

O velho contador retornou, finalmente, de seu merecido descanso; o primeiro de sua vida. Ao transpor a porta principal do escritório, foi recebido com estardalhaço:

– Surpresa!

A surpresa, porém, não foi recebida com o entusiasmo esperado.

Josué olhava de um canto para outro da sala, assombrado.

– Gostou? – perguntaram a um só tempo.

Josué continuava atônito.

– Gostou? – os presentes renovaram a pergunta.

– Sinceramente, não!

– Mas, por que não gostou? – perguntou alguém, refletindo a tristeza do ambiente.

– À minha esquerda, havia uma janela – disse, decepcionado pela ausência do que procurava. – Sempre tive dificuldades para entender o conceito de débito e crédito; a janela foi a solução encontrada para efetuar os lançamentos corretamente. O débito ficava do lado da janela. E agora, como farei?

A festa virou um grande constrangimento