Sonho de velho

Em 12.06.2002, escrevi esta crônica. Trata-se da continuidade do sonho anterior, já reproduzido em narrativa, sob o título de "Conversa Fiada", possivelmente lida por você, caro internauta.

Infelizmente, o segundo sonho não se realizou. Veja a utopia de um sonho impossível:

Encontrei-me com os amigos da semana anterior, em nova roda de bate-papo. Éramos cinco, cada qual discorrendo sobre variado assunto. Falávamos de política e dos políticos, como sempre. Havia os que, magoados, lembrassem a “vitória” do Rubinho, incrivelmente surrupiada pela diretoria da Ferrari, no domingo, 12 de maio, consagrado às mães. Logo nesse dia em que elas exultam de felicidade! Até a mãe do Romário, magoada com Felipão, por não tê-lo convocado, certamente exibia largo sorriso naquela data, que também era sua.

Como não gosto de futebol, limitei-me a ouvir. Ouvi sobre as constantes derrotas do Flamengo, a quase vitória do Brasiliense e a façanha do Rubinho, que foi o vencedor “sem nunca ter sido”.

Esgotado o tempo reservado ao esporte, e saturado o assunto sobre futebol, iniciamos nova fase da palestra.

Encarei meus amigos, disposto a contar-lhes sobre o novo sonho que tive no dia anterior. Temia desagradá-los, pois o tema era repetitivo. No encontro precedente, havia-lhes narrado sobre um pesadelo, relacionado com o resultado das eleições de outubro próximo, e que assustara a todos.

Insisti para que ouvissem as idéias que me ocorreram involuntariamente durante o sono, em que sonhei aliviado e feliz. Ao contrário do anterior, o produto da minha imaginação agora era agradável.

Contei-lhes que Lula, vencedor da recente eleição, governava com maciço apoio parlamentar, contando com gordas bancadas do PT, PDT, PPS, PCdoB e de uma infinidade de legendas de esquerda. O PFL, que jamais se viu fora do poder, aliara-se ao PMDB, PR, PL, PTB e aos demais partidos de centro-direita, formando uma frente única de apoio ao novo governo, a quem deram o nome de Novíssima República.

O PSDB, após cansativa indecisão, resolvera participar.

A renovação do Congresso fora espetacular. Os novos deputados e senadores, recém-eleitos, iriam votar as reformas do Estado. Eram bem preparados intelectualmente, de passado exemplar, trabalhadores, cônscios de seus deveres e imbuídos de elevado espírito público. Os poucos parlamentares reeleitos, temerosos, mudaram de comportamento. De consciência também renovada, pretendiam esquecer os erros e intrigas do passado.

Eram novos homens.

O Brasil, segundo eles, precisaria urgentemente mudar. Chegara, portanto, a vez de “passá-lo a limpo”, de fazer resplandecer as cores verde e amarela, agora combinadas com as dos partidos políticos, num matiz de extraordinária beleza, marchando rumo ao desenvolvimento.

Votariam todas as reformas necessárias às mudanças que o país reclama, revisariam leis, códigos e regulamentos obsoletos e retrógrados, sem pressões do governo, sem aliciamento, cobrança de comissões, nepotismo ou qualquer favorecimento.

O Congresso Nacional, renovado quantitativa e qualitativamente, também votaria a reforma política. Modificaria o atual processo eleitoral, instituiria o voto distrital, a fidelidade partidária e o financiamento de campanhas eleitorais pelo Estado, nivelando a eleição de candidatos, reduzindo a influência do poder econômico, extinguindo as vergonhosas sobras de campanha e dificultando os caminhos que levam à corrupção.

Estariam dispostos a muitas outras mudanças. Por exemplo, as poucas empresas estatais que ainda restavam, o PT as privatizaria em breve. O Banco Central teria autoridade administrativa independente, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, enquanto não privatizados, e todo órgão público seriam dirigidos por técnicos das próprias instituições, sem qualquer ingerência política.

As reformas alcançariam os Tribunais Superiores de Justiça, os Tribunais de Contas da União e dos Estados que, segundo a visão dos novos e dos renovados parlamentares seriam ocupados por figuras de notório saber jurídico, mediante concurso público. Sem apadrinhamento político. As nomeações, antes um prêmio a políticos rejeitados pelo voto popular, seriam coisas do passado.

O político, na visão dos novos parlamentares, seria portador da vontade do eleitor, atento vigilante da moralidade pública, voltado para os interesses da sociedade, comprometido com as regras da moral e dos bons costumes.

Os novos governadores dos estados, elevados ao posto no dia em que o eleitor elegeu Lula, seriam exemplo de bons administradores, honestos, valorosos articuladores entre o Congresso e o Governo Central.

Meus amigos, abismados, olhavam-me impressionados, sem piscar os olhos, até que um deles comentou:

“Sonho de velho não se realiza. Não há tempo para isso”.