HISTÓRIAS DE FAMÍLIA (POR RITA FARACO DE FREITAS, A MEU PEDIDO)

Nosso avô, PEDRO DE AZEVEDO CONCEIÇÃO, nasceu em São Sebastião do Caí, RS, em 21 de fevereiro de 1888. Era o filho mais velho do casal Maria Antônia Teles de Azevedo (nascida em 29.02.1869) e Virgílio de Souza Conceição (nascido em 20.03.1857, em Porto Belo, SC). O casal, cujas famílias estão vinculadas a alguns dos mais antigos troncos do Rio Grande do Sul, tinha mais cinco filhos: Marieta (casou com o exator Gastão Prates), Julieta, Moreninha, Jorge (funcionário aposentado do Tesouro de Estado) e Daura (casou com Oscar Fischer).

Vovô passou parte de sua infância na região colonial, onde seu pai, Engenheiro Agrimensor formado pela Universidade de Barcelona, Espanha, demarcou as terras do local Campos dos Bugres, atual cidade de Caxias do Sul, onde havia uma rua com seu nome.

Morou também em Montenegro, na Fazenda do Pontal, de propriedade de sua família.

Fez seus estudos em Porto Alegre e, por volta de 1913, foi nomeado professor na cidade de São Borja. Na época, era Secretário de Educação o Dr. Protásio Alves e o Rio Grande do Sul era governado por Júlio de Castilhos. Algum tempo depois, Pedro transferiu-se para a cidade de Itaqui, onde foi professor e diretor da Escola Complementar.

Em Itaqui, conheceu a jovem Maria Luiza Sampaio Silva (Dima, nascida em 03 de setembro de 1898, em Itaqui), filha de Rita de Cássia Monteiro Sampaio e de Antônio Francisco Corrêa da Silva. Apaixonou-se e seu amigo “Coronel” Euclides Aranha, pai de Osvaldo Aranha, pediu em seu nome a mão da donzela. Aceito o pedido, o casamento realizou-se em 24 de dezembro de 1915, quando Maria Luiza tinha 17 anos e Pedro 27. A lua-de-mel foi em Buenos Ayres, Argentina. Até chegar ao destino, Pedro e Dima foram vendo o Natal em todas as cidades em que passavam.

Como a sogra era viúva, após o casamento Pedro passou a administrar a fazenda Sina-Sina, de propriedade dela, passando, mais tarde, a arrendá-la. Dedicou-se a essa atividade por mais de 50 anos. Com a morte da Vovó Rita, as terras foram divididas entre a Vovó Dima e Tio Percy, que ficou com a sede. Na parte que coube a Vovó, construiu outra casa e chamou a propriedade de Rancho Grande. Na fazenda, lecionava os filhos, ajudado pela irmã Moreninha que morou durante algum tempo com a família do irmão.

Pedro e Dima tiveram seis filhos: Déborah, Ilka, Darcy, Nilo, Fábio e Beatriz. Déborah casou com Humberto Zaccaro Faraco. Ilka casou com Alexandre Orcy. Darcy casou com Maria do Carmo Mattos. Nilo casou com Amira Squeff. Fábio casou com Teresa Krebs. Beatriz casou com Washington Manoel Vijande de Sosa Bermúdez.

Vovô era alegre e barulhento. Contava histórias com muita graça e seu riso contagiava quem estivesse por perto. Adorava ir ao Clube do Comércio em Itaqui, do qual foi presidente. Houve uma época em que a família morou defronte ao clube. Quando Vovó Dima queria saber onde andava o marido, abria a janela da casa e logo escutava as risadas e a voz trovejante dele, divertindo-se com os amigos no prédio da frente. Vovô dançava bem e não perdia bailes. Era ele quem marcava a quadrilha, dando os comandos em francês.

Quando ainda morava em Montenegro e marcava a quadrilha em português em um baile de campanha, um dos comandos era “olha a cobra”. Foi nessa hora que a moça com quem fazia par, achando que era uma cobra de verdade, desapareceu espavorida. Ele contava essa história às gargalhadas.

Amplamente relacionado na sociedade itaquiense, foi um elemento de destaque em sua comunidade. Era um homem de vasta cultura e voltado ao progresso. Alegre, extrovertido e comunicativo, Pedro foi um grande entusiasta das artes. Apreciava os livros, tanto a prosa como as poesias, e adorava charadas e trocadilhos. Mas sua paixão era a música. Cultivou a música popular e a clássica e era exímio e talentoso pianista. Gostava de tocar valsas (Subindo ao Céu, que dedicava à Vovó, Romanza, Eponina e Flor do Mal) sambas (Tico-tico no Fubá), marchas (Saudade de Minha Terra), composições de Zequinha de Abreu e de Ernesto Nazareth, polcas, tangos (Brejeiro) e maxixes (Pisando em Ovos, de autoria de Carlos de Abreu, cunhado de Getúlio Vargas).

Depois das lidas do campo na fazenda Sina-Sina, Vovô tomava banho, colocava o pijama e sentava-se ao piano. Tocava durante horas e todos dançavam, inclusive Vovó Rita. A música atraía a peonada que se debruçava na cerca para ouvir.

Tornou-se rádio amador e lá no Rancho Grande levantava antes do sol nascer para chamar os companheiros de rodada. Fazia o maior barulho e acordava todo mundo caminhando de tamancos e com a bombacha sempre caindo. Ligava o gerador, pigarreava em altos brados e já começava : “Bororé de Bororé!” Foi numa dessas rodadas que o amigo Juca Vieira, conhecido pelas tiradas cômicas, contou que tinha ouvido notícia de que havia começado uma guerra meio mundial e que a Alemanha tinha invadido um país com nome parecido com égua (Noruega).

Adorava os netos e dava-lhes apelidos estranhos como Dona Sezebuta, Dona Maria Quitéria e Seu Fulano dos Anzóis Carapuça ou dos Pinhais, divertindo-se com as caras desconfiadas que faziam.

Era bom cavaleiro e, na fazenda, sua montaria preferida era uma égua chamada Bugra, preta e com uma estrelinha branca na testa. Depois, já no meu tempo, montava uma égua tordilha chamada Bolacha que os peões não deixavam os netos encilhar porque o animal “era do andar do patrão”.

Tinha um hábito engraçado. Quando estava na cidade, chegava em casa e colocava o pijama, quase sempre listrado de preto, branco e azul, conservando a camisa social e a gravata. Aliás, antigamente era chique os cavalheiros usarem o casaco de pijama como blazer nas viagens de trem.

Na mocidade, dava suas escapadas. No Bororé ou no Recreio vivia um certo Pedro Lacerda que, segundo diziam, era filho dele com uma tal de Selvanira, filha de um posteiro da fazenda. Pedro Lacerda morreu em 14 de fevereiro de 2003, aos 72 anos e deixou uma família numerosa. Tio Fábio conheceu-o e considerava-o uma excelente pessoa.

Vovô só envelheceu fisicamente. Durante sua longa enfermidade ele dizia inconformado: “a carcaça é velha, mas o espírito continua jovem”. Morreu em 09 de agosto de 1969, aos 81 anos, em Porto Alegre, e tocou piano até a véspera de sua morte.