Destino cruel
Maurício tornou-se caminhoneiro. Um profissional do volante. Antes, trabalhou pesadamente na lavoura. Às vezes praticava forçado jejum, motivado por dificuldades de apoio operacional ou pelas finanças escassas que o impediam de regalar-se com nutritivas refeições.
A jornada era árdua, praticada debaixo do sol ou da chuva. Iniciou a vida no campo muito cedo, ainda criança. Ajudava ao pai e a outros três irmãos mais velhos, dos quais recebia vinte por cento dos ganhos obtidos por eles.
Aos treze anos, já dispunha de certa poupança, representada por algumas novilhas que adicionara às duas ou três recebidas do padrinho, fazendeiro bem sucedido que admirava a disposição do afilhado para o trabalho e o seu desejo de vencer na vida.
O jovem concluiu apenas o primeiro grau, ensinado por dona Maroca, professora de pouca escolaridade. A bondosa mestra sentia-se recompensada pelo esforço dos alunos em frequentar as aulas à noite, à luz de lampião.
Maurício era um deles.
O rapaz ansiava por aprender a ler e um dia tornar-se motorista, profissão que muito o entusiasmava. Pensava em dirigir um caminhão igualzinho ao que Manuel transportava o gado do rico padrinho.
Dezenove anos; pronto! – decidiu Maurício. Agora tiraria a carteira de motorista, pois dirigia perfeitamente, instruído por Manuel, de quem se tornara amigo inseparável, até nas noitadas homéricas, ocorridas nas festas de peão de boiadeiro. Nessas ocasiões, Maurício nada gastava para economizar. Aqui e ali, filava um copinho de cachaça, oferecido pelo amigo.
Carteira de motorista à mão, conseguida sem restrições, pretendia conhecer a estrada. Gostaria de viajar por pistas asfaltadas, de alta velocidade, ouvir o ronco do motor de uma máquina “envenenada”, trucada, reluzente e ágil.
Ao longo da vida laboriosa, a única conhecida em seus quase vinte anos, amealhara recursos suficientes para pagar a parcela inicial do sonhado caminhão.
Comprou o veículo em prestações mensais a serem quitadas com a renda de fretes que supunha suficiente. Ele era econômico e o seria mais ainda dali em diante. Dormiria na cabine do veículo, faria as próprias refeições às margens das estradas, rodaria noite adentro e tomaria comprimidos para afastar o sono.
O padrinho não faltou com o aval.
O caminhão rolava pelas estradas asfaltadas… nem tanto, esburacadas, sim, desse Brasil que muito cobra e pouco restitui ao cidadão.
Maurício dormia pouco.
Nada perturbaria seu sonho de ver o veículo quitado, quando, então, pensaria em casar. Desposaria moça de sua cidade ou a Ana Rita, linda morena com quem manteve breve romance ao estacionar na cidade de Ovídio, estado da Bahia.
Ele aproveitava as paradas para atender as necessidades do corpo e da alma, carentes de descanso e de carinho.
Passados os anos, optou por desposar a Ritinha, morena formosa e fogosa. As jovens conterrâneas eram provincianas demais para ele, agora proprietário de uma bela carreta Scania, de dezoito pneus, comprada novamente à prestação, porém sem o aval do padrinho. O revendedor garantiu a dívida com alienação fiduciária e oneroso prêmio de seguro.
Maurício viajava dia e noite; do contrário, não daria conta de pagar o veículo.
De tanto trabalhar, esgotou-se fisicamente; de tomar remédio em demasia, para evitar o sono nas viagens, esqueceu a saúde e terminou cego.
Cego, sem poder trabalhar, definhou e morreu.
A linda viúva pouco foi amada por ele.
Faltou-lhe tempo para a mulher.
Aos 26 anos, quase intocada pelo falecido marido, Ritinha dispôs-se a dirigir o caminhão. Primeiro, tratou de ter a bordo a companhia do jovem Artur, cuja preocupação maior era desfrutar a vida.
Artur não mediria esforços para satisfazer à Ritinha. “Daria conta do recado?” – perguntava-se, ansioso. Ele temia dar-se uma resposta negativa. A mulher era um “monumento”, desses bem bonitos, majestosos, que provocam dores no pescoço de tanto se contemplar.
Ritinha era linda.
Maravilhosa.
Sensual.
Que mulher!