Tudo igual

Recentemente, viajei de Brasília a Recife, cidade nordestina, capital do estado de Pernambuco. O povo do lugar orgulha-se de sua história, de sua cultura e de seus valores intelectuais.

A cidade conheceu a riqueza durante o ciclo do açúcar, abrigou coronéis de alto coturno e libertou seus escravos. Os rios e pontes acentuavam a beleza e fascinavam o visitante. Antes, famosos e exuberantes, agora revelam a marca da poluição e do descaso das autoridades, que permitiram os esgotos domésticos desembocar em seus leitos, contaminando a água que exala odor desagradável e propicia a proliferação de mosquitos e doenças.

Hoje, Recife é uma megalópole que não consegue desvencilhar-se da pecha de violenta, com milhares de desempregados, favelados e pedintes esmolando a caridade alheia nas ruas apinhadas de gente. O número crescente de meliantes impinge à população o desconforto da abordagem física, o risco de assalto, de sequestro ou mesmo de morte.

Voltando a falar da viagem: o vôo foi tranquilo. O avião pertence à empresa bem administrada, que executa gastos com sobriedade. Talvez ainda não esteja envolvida com a “bancada do ar”, como são chamados os congressistas que fazem loby para suas congêneres. Por isso, revela boa saúde financeira. A nota destoante ficou por conta do cheiro enjoativo do amendoim torrado e das barras de cereais distribuídos franciscanamente.

Alguns passageiros liam, uns dormiam, outros conversavam, e poucos, como eu, olhavam as alturas pela janela, imaginando-se mais perto do Céu, próximo ao Criador, a quem tudo pode. No meu caso, fiz-Lhe algumas petições. Confesso que a maioria foi em meu próprio benefício. Pedi-Lhe até para abençoar o joguinho que faria na Mega Sena acumulada, tão logo o avião aterrissasse.

A aeronave voava célere, como uma águia em seus momentos de contemplação. Olhei para baixo. Estávamos sobrevoando o estado da Bahia. Fechei os olhos e pensei: “aquela é a terra do falecido senador da República, Antônio Carlos Magalhães, e hoje governada pelo PT.

Meus pensamentos voavam com a aeronave. Tornaram-se quase uma visão. Vi Gil, Caetano, Gal, Maria Betânia, Jorge Amado (em uma nuvem que flutuava sobre o Pelourinho), e até o Popó, exibindo-se para conquistar a mulher que tanto relutou em aceitá-lo como marido.

Deslumbrei-me com as potencialidades minerais e com as belezas naturais indescritíveis; horrorizei-me com os grotões de pobreza, as palafitas e as favelas ornamentadas por esgotos fétidos e insalubres; notei, também, que a miséria secular não tem sido enfrentada com obstinação; que o povo continua pobre, miserável, pouco assistido nas áreas de saúde e de segurança; a renda é mal distribuída; os políticos permanecem mantendo os seus “currais eleitorais”, locupletando-se, elegendo seus parentes e amigos, perpetuando-se no poder, herdando-o como fazem os filhos com os bens deixados pelos pais.

Estava absorto em minhas observações íntimas e na minha visão quase apocalíptica, quando ouvi a voz do comandante anunciando o pouso no Aeroporto Internacional dos Guararapes, em Recife. Nem me apercebi que cruzara as fronteiras dos estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco.

Era tudo a mesma coisa.