Crônicas de Sala de Aula; Nada que uma boa história não resolva!
Na quinta-feira á noite após dez aulas dadas, cheguei em casa, tomei um banho quente, fiz um café bem forte, liguei telinha na tv Cultura, que ironia não é que estava começando um documentário sobre o ofício de professor nos dias de hoje e seus desafios.
Durante a meia hora seguinte, depoimentos, estatísticas, tudo que eu precisava para encerrar a minha quinta.
Aquelas coisas todas que sabemos, professor neste país não é valorizado, pelas salas de aula já passaram profissonionais que hoje são médicos, advogados, arquitetos, políticos...
Não vou ficar aqui listando profissões, pois bem ocorre que a educação no Brasil sempre esteve relegada á um terceiro ou quarto plano.
A história da educação é prova disto, não muito distante assim, quando os jesuítas foram expulsos e não se pensou em algo para substituir a lacuna, seguimos, anos de ditadura militar, onde os professores de filosofia, história passaram a ser perseguidos, introduziu-se a Educação Moral e Cívica, vigorava a cartilha militarista, que excluía da educação a reflexão, formaram-se gerações de gado humano.
Nada de questionamentos, nada de contestação, nas salas de aula o silêncio atordoava, formava uma geração de tecnicistas, conformistas.
As aulas de história suprimidas das grades curriculares, como se a mesma não fizesse diferença.
Só os deuses do Olimpo sabem o esforço que um professor de história tem que realizar para avivar as fagulhas do interesse, mas vale á pena.
Pouco tempo atrás trabalhei com meus alunos a segunda guerra mundial, falei sobre a participação dos pracinhas brasileiros e de como após uma viagem exaustiva, ao chegarem na Itália foram confundidos com alemães pelos uniformes que usavam.
Na aula seguinte um aluno trouxe um documento histórico valioso, seu avó havia sido um dos pracinhas, o garoto até então não havia se ligado na importância do fato, apenas ouvira da avó tempos atrás, mas nem se importou em saber mais.
Contou-me que após a aula ao chegar em casa foi direto conversar com a avó e com muito custo conseguiu que ela cedesse o documento para que ele pudesse mostrar na sala de aula.
Aí reside o avivar a fagulha dos nossos jovens, despertar o interesse para coisas do passado, mostrar que a história não pode ser vista como algo morto, sem vida, ao contrário ali nas entrelinhas existe vida, pulsar.
Terminei de assistir ao documentário e adormeci, sexta-feira já na primeira aula, fui agraciada com a falta de respeito que o professor esta constantemente sujeito.
Estava ali falando sobre o bairro, resolvi naquela aula trazer meus alunos ao passado do bairro Boqueirão, onde esta inserida nossa escola e onde muitos moram.
Enquanto a classe estava interessada, haviam como sempre uns quatro que insistiam em se comunicar, detalhe, dois do fundão esquerdo, com mais dois do fundão direito.
Eles falavam alto, como se estivessem em qualquer outro lugar, menos na sala de aula.
Chamei a atenção, um deles ficou me olhando com ar de deboche, dando um daqueles sorrisinhos sarcásticos e balançando a cabeça.
Não consegui ser muito original, questionei se eu tinha cara de palhaça, e que talvez realmente eu deveria ter optado por ser uma, assim poderia fazer as pessoas rirem, admiro o ser palhaço e respeito.
Foi quando um garoto, cheio de marra falou algo do tipo, "você tá aqui por que quer, e professor ganha muito bem, se não gosta de sua profissão vai fazer outra coisa".
Me dirigi até o "garoto" explicando que não estava reclamando da minha profissão, amo meu trabalho, e que apenas não admito a falta de respeito.
Adolescentes são adolescentes, jamais podem ficar sem dar a última palavra, ele me desafiou, "ué não é você que é professora de história que gosta de um debate, vamos debater".
Vamos debater sim, perguntei se ele sabe a jornada de trabalho que estamos submetidos, se sabe das horas dedicadas em casa na correção de provas, trabalhos, pesquisa para se dar uma boa aula.
Perguntei se ele se dava conta de que além de ter que lidar com a falta de educação dos alunos, ainda temos que lidar com a ignorância de muitos pais que jogam a culpa do fracasso escolar dos filhos apenas em cima do professor, chegando mesmo á agredir, como foi o caso recente em uma escola do Rio Grande do Sul, ou aqui mesmo em Curitiba.
Há uns dois meses atrás uma professora foi agredida por uma mãe e corre o risco de ficar cega, perguntei também se ele conhece o piso salarial de um professor, pedi que pesquisasse e que comparasse ao salário de outros profissionais.
Promovi o debate, ele ficou ali sem ter o que argumentar, mas com o ar de cinismo estampado no rosto.
Aproveitei mais uma vez para alertar sobre a importância de sabermos lidar com a liberdade que possuímos, que estudantes da década de sessenta e setenta morreram por ela, e que infelizmente os jovens de hoje desconhecem e os que dela são informados nas salas de aula, parecem não se importar, salvo raras excessões.
Isto tudo foi na primeira aula do dia, mas a caravana segue, já na quarta aula do período da tarde, entro em uma quinta série, dois meninos e uma menina se atracando, chamo a tenção, os garotos sentam, já a figurinha, vem ao meu encontro para em minha frente e grita comigo, totalmente descompensada...
Mas a aula ali seria sobre Esparta, li com meus alunos o texto sobre a vida das crianças espartanas, ao fim comentei sobre cada uma das mensagens que ali haviam, e falei que gostaria de ter um túnel do tempo para levar alguns alunos á passear em Esparta...
Expliquei que o conceito de infância hoje existente foi forjado através da história, que nem sempre foi assim, lá em Esparta os considerados inaptos esteticamente falando, com algum defeito, já eram atirados do abismo logo ao nascer.
Quando completavam sete anos, eram separados das famílias e Licurgo se encarregava de torná-los guerreiros, assim aprendiam a arte do roubo, quem fosse pego roubando era punido severamente, não por haver roubado, mas por se ter deixado apanhar.
Já na idade média as crianças eram vistas como adultos em miniatura, não precisa dizer mais nada.
Aquela garota que gritou comigo, ao final da aula, veio me pedir desculpa, e agradeceu por eu não haver mandado ela para fora da sala.
Nada que uma boa história não resolva!