Palavra por palavra

A pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é não ter o que fazer. Aposentado, com sessenta e oito anos, confirmados pelos traços marcantes deixados pelo tempo, nada tenho feito a não ser reclamar.

Reclamo dos empregados, que cuidam da casa com desleixo; dos filhos, quando, irreverentes, contam “piadas de salão” em ocasiões inoportunas; da netinha, que teima em não me ouvir as reclamações, perturbando-me a leitura; do cachorro, que late sem parar; e do papagaio, que nada fala, mas grita estridentemente.

Há poucos dias, consegui na internet uma lista de nomes de pessoas tão incomuns e engraçados, quanto constrangedores e ridículos.

Crianças foram batizadas de Igualdade Fraternidade de Nova York; Um Dois Três de Oliveira Quatro; Sete Chagas de Jesus Salve a Pátria; Letsgo; Usnavy; esses últimos, formados de palavras inglesas, bem ao gosto do brasileiro que, nos últimos tempos, usa mais denominações estrangeiras do que as nativas.

É comum serem estampadas em placas e cartazes, palavras grafadas em inglês: Delivery; fast food; country music; hot line; e-mail; reality show e muitas outras.

É o analfabetismo nacional revelado em dois idiomas.

Incomodam-me os nomes de pessoas com suas vidas marcadas e submetidas a brincadeiras irreverentes. Também desaprovo o uso de expressões inglesas abundantemente usadas pelo brasileiro, que aderiu ao “portuglês”, mistura incompreensível e indigesta.

As palavras mexeram mesmo comigo, ultimamente. Acabo de manusear copiosa lista de frases com significados diferentes aqui e em Portugal.

Vejamos:

Em visita a terras lusitanas, precisamos ter cuidado para evitar situações constrangedoras. Se alguém, lá, lhe chamar de “paneleiro”, estará dizendo que você é homossexual; mandando-lhe entrar na “bicha”, sugere-lhe a fila, bastante conhecida nos estabelecimentos bancários no Brasil; se um médico lusitano mandar aplicar-lhe uma “pica”, não tenha medo, pois, se estiver doente, você precisará da injeção receitada pelo doutor; após muito caminhar pelas ruas milenares de Lisboa, se sentir fome, coma uma “carcaça”, excelente pão francês produzido pelos portugueses; não sei se aceitaria um “cacetinho”, como também é chamado o apetitoso pãozinho na terra de Camões.

Em suas viagens por regiões de além-mar, leve o seu filho, aquele “puto” (como dizem os portugueses referindo-se a garoto), e a linda “rapariga” (senhorita, como se chama em Portugal), sua estimada filha, para conhecerem parte da nossa história.

Isto que escrevi é mesmo coisa de desocupado. Mas, acredito ter valido a pena, por duas razões: Fica-se sabendo da existência de pais irreverentes e irresponsáveis, que marcam os filhos impiedosamente com nomes que não dariam a si próprios; do uso exagerado de expressões em inglês, num Brasil de analfabetos; e, por fim, dos cuidados que devemos ter em viagens a Portugal, onde você, não fossem essas orientações, poderia negar-se, se doente, a tomar uma “pica”, receoso de enfrentar uma enorme “bicha” no Pronto-Socorro local, embora fosse para seu próprio bem. Talvez, não levasse a rapariga e o puto, seus estimados filhos, para um passeio às margens do rio Tejo.

Seria uma pena.