OUVIDORIA

OUVIDORIA

070.202

Ouvir com os ouvidos tem tudo para ser a grande e natural oportunidade de se usar um dos seis sentidos, mas nem sempre acontece assim.

Como que a impedir a ligação direta entre ambos ou a filtrar o que um ou outro capta, entre os dois ouvidos interpõe-se a parte essencial do homem, aquela que o distingue dos seres irracionais, a poderosa massa encefálica, imaginativa, cinzenta, habilidosa em tarefas de distorção, conformada, amorfa outras vezes...

Lá em baixo, na Rua Barão do Rio Branco, o par de orelhas canalizou o barulho do gás expelido.

Então, uma vez passada a instrução para que as pernas a conduzam até o portão principal do Parque São Pedro, cria-se, entre esses dois logradouros, um lapso de tempo de tamanho suficiente para que a massa criativa articule seus neurônios e atribua àquele ruído estrepitoso, além do odor intrínseco e característico, uma cor marrom e uma consistência sólida.

Processadas essas ondas, a imaginação fértil ordena palavras, compondo orações para uma fala e, com perda parcial da capacidade de frenagem, formula uma estória, verbalizada pelos lábios, cujo objetivo representa-se por “distraída” tentativa de traduzir, em linguagem adulterada, o porte e a importância daquele fluído que, poucos minutos antes, era o que era: uma simples porção de gás espontâneo.

Nestas alturas do caminhar dos fatos sempre cabe uma perguntinha:

- Por qual razão o ser humano, ao tentar reproduzir, verbalmente, certa história, altera o tamanho dela?

A resposta, como sempre, pode ser simples ou complexa, dependendo do ângulo de enfoque.

Acendamos nossas luzes, por causas naturais, pelo ângulo das coisas simples para obtermos uma resposta. O enfoque complexo, este fica por conta das imaginações também amantes da complexidade...

Montemos, então, a resposta à perguntinha.

Como nada existe que seja absoluto (basta lembrar a Teoria da Relatividade, engendrada pelo Notável Físico Albert Einstein !) o que impede de se acrescentar (ou retirar) alguns pontos à (da) estória criada ou ouvida?

Nada impede – eis a resposta, curta e grossa, pois só contará para outros essa estória quem teve ouvidos para, antes, ouvi-la... (ou olhos para lê-la, que é o caso desta OUVIDORIA!).

Acredito que, novamente a estas alturas, já foi possível perceber a razão do aumento (ou do encurtamento) tão comum introduzido em estórias contadas.

Diga se não é isto mesmo: o contador de estórias, ouvidas (ou lidas), sempre acrescenta (ou remove) pontos com os quais (não) se identifica.

Felizmente, nesta presente estória, a do gás que se torna pesado, o que se joga no ventilador é areia, que se espalha por todos os lados onde se faz sentir o cheiro do gás....