SÓ ISTO EU SEI
- Fátima Irene Pinto -
E então dei-me conta que não levarei na algibeira
todos os abraços que dei.
Levarei principalmente os que eu desejei ter dado.
Não levarei os afagos e os beijos que dei,
mas sobretudo aqueles que eu não pude dar.
Não levarei o arquivo completo de muitos amores
correspondidos, mas a ficha catalogada de cada grande
amor que foi preciso negar, esquecer ou reprimir.
Não levarei históricos de fartura e prodigalidade
no terreno dos afetos mas isto não torna menor
a intensidade dos afetos cultivados.
Como poucas pessoas, levarei vasta experiência
sobre saudade, esperança, solitude e porque não dizer
sobre alegrias imensas por coisas pequeninas ...
pequeninos e inesquecíveis gestos de afeição.
Como poucas pessoas, saberei falar dos êxtases
do meu coração, pelo simples pulsar de um outro coração
que talvez nunca tenha notado o meu.
Levarei na algibeira arco-íris intensos, suspensos a meio céu
por não haver outra poça no lado oposto que permitisse
o milagre das cores luminosas, decompostas em vários tons.
Talvez, se eu tivesse vivido todos estes amores,
eu não soubesse falar sobre o amor
e de minhas mãos jamais nascesse um poema, um louvor,
uma canção, um gesto de gratidão.
Talvez a algibeira estivesse vazia porque não carregamos
cantis para sedes amplamente saciadas!
Sinto-me tão plena e tão verdadeiramente rica!
Quem pode entender que eu me sinta assim?
Sei que em algum lugar do universo
este manancial está jorrando livre, perene e sublimado!
Só isto eu sei!