Os dedos não são iguais

A família é pequena. Apenas três pessoas: Luciano, Leonardo e Antônio. Luciano é o mais velho, hoje aposentado. Leonardo trabalha para ganhar uns trocados e garantir a sobrevivência dele, da mulher e de uma filha ainda criança.

Antônio é engenheiro de uma empresa estatal. Com exceção de Luciano, os demais são peagalinos declarados. Revelados e sem-vergonha de assumirem essa opção, mesmo em público. Um deles, até filiou-se ao PH2.

Em qualquer circunstância, sequer avermelham os rostos quando defendem os integrantes do partido. Não acreditam nas acusações desairosas feitas a deputados da legenda e a um sem-número de auxiliares do governo. Para eles, é tudo mentira, calúnia, intriga e inveja da oposição, que age de má fé, acusando sem provas.

O presidente da República, a quem reputam capaz e honesto, não compartilhou de nenhum desmando administrativo, ético ou moral.

Leonardo e Antônio, principalmente esse último, declaram que Sua Excelência é a referência que faltava ao país. Um exemplo a ser seguido. Luciano discorda veementemente, convicto de que o presidente participou das negociações de propinas a deputados para aprovarem projetos do governo.

E de outras maracutaias.

Um número incontável delas.

Luciano, do alto da experiência adquirida ao longo de seus sessenta e seis anos, não concorda com os irmãos. Não endossa os conceitos atribuídos por eles ao presidente. Não vê nele qualidades de bom administrador, pois as viagens não o deixam trabalhar.

O homem viaja demais.

“Anda mais que burra de padre”, dissera alguém, desabafando seu descontentamento.

Luciano também não considera o primeiro mandatário da República uma pessoa ética. As traições aos correligionários e a antigos colaboradores são provas de que o presidente propala o que não pratica.

Certo dia, Luciano visitou Antônio em sua casa. O irmão caçula exultava com o resultado das últimas pesquisas eleitorais. Na ocasião da visita, Antônio fumava um bom charuto; soltava espirais esvoaçantes de fumaça, em forma de círculo, satisfeito por imitar o companheiro líder do PH2 em seus hábitos mais excêntricos.

Depois de fartos argumentos, de mencionar denúncias comprovadas por investigações policiais e parlamentares, e ao final de intermináveis tentativas de convencer o irmão dos assaltos praticados por membros do governo ao erário, nos últimos três anos, Luciano despediu-se convencido de que Antônio perdera o juízo.

– O povo tem mesmo o governo que merece! – disse Luciano ao transpor a porta de acesso ao elevador.

Saiu contrariado, temeroso de que ainda não chegara a oportunidade de passar o país a limpo.

– É uma pena! – exclamou introspectivamente, ao entrar no táxi em cujo pára-brisa um decalque vermelho, com letras pretas, dizia:

DEPOIS DA REELEIÇÃO, NOVO MANDATO. O HOMEM É O BICHO!

Luciano não tinha dúvidas de que a mensagem fora elaborada pelo PH2, em sua ânsia de continuar no poder por muito mais tempo.

– Foi assim na Venezuela. Pobre de nós! – disse em voz alta, abrindo a porta e abandonando o táxi que o aguardara.