Regresso

Percival é um homem cheio de recordações. Naquela tarde, estava sentado em sua inseparável cadeira de balanço, impulsionando-a para frente e para trás, refrescando-se do forte calor. O pé esquerdo, descalçado do chinelo, apoiava-se no assento da cadeira. Nas mãos, o álbum de fotografias da família, que ele folheava com bastante atenção.

Depois de retirar os óculos do rosto suado e limpar as lentes embaçadas com a fralda do pijama, ajustou-os no nariz para melhorar a visão. Umedeceu o dedo indicador da mão direita na ponta da língua e iniciou a revista a fotos antigas.

Muitas e agradáveis lembranças vieram-lhe à mente, naquele instante. Reminiscências do passado afloravam-lhe à memória a cada retrato consultado. Em um deles, viu-se aos seis meses, com as pernas erguidas e a mãe a trocar-lhe a fralda encharcada de xixi. Lembrou-se da insistência dos pais, orientando-o a parar de mijar na cama.

Percival manuseou diversas fotografias. Umas o exibiam na companhia de amigos; outras o mostravam ao volante de um carro, após receber a carteira de habilitação para dirigir; algumas o distinguiam abraçado a jovens e encantadoras namoradas. Na juventude, fora um garanhão; um insaciável; um bom amante. “Que saudades de um tempo que não volta mais!” – pensou entristecido.

Mais fotos foram revistas. Uma porção delas registrava sua passagem pelo mundo dos negócios. Retratos coloridos lembraram-lhe as muitas conquistas amorosas depois dos sessenta anos de idade; ele não se poupara para satisfazer os desejos da carne, temendo que a disfunção erétil, na iminência de bater-lhe à porta, naquela época, o impedisse. Hoje, nem o Viagra o livraria desse desfecho, pois os problemas cardíacos que o acometem negam-lhe a oportunidade benfazeja de usar o santo remédio.

Finalmente, Percival virou a última folha do álbum de fotografias. Sentiu os olhos arderem, mergulhados em lágrimas saudosas. Fechou o relicário de recordações, manuseado com extremo carinho, colocando-o sobre as pernas magras e trêmulas.

Nesse momento, viu, com tristeza, o que nenhuma foto mostrara: o velho transformado pelo tempo, decrépito, acometido de variadas enfermidades, olhos opacos, ouvidos moucos, boca desdentada, andar trôpego, voz rasteira, usando fraldas para não fazer xixi nas calças.

Uma enfermeira substituíra a babá de antigamente.

Percival se deu conta de que muitas facetas de sua vida atual assemelhavam-se às do tempo de criança. Ele regressara ao passado: a boca desdentada, o andar trôpego, o uso das fraldas… Existe apenas uma diferença: agora, nada sente quando a enfermeira o auxilia na limpeza de suas partes íntimas. Quando bebê, durante os banhos diários, às vezes seu “pintinho” respondia aos estímulos provocados por mãos habilidosas.

Hoje, nada.

Tudo mudou.

Para pior.