Confissão
Seu nome era Lamartine. Lamartine Brasil. Os amigos o chamavam de Lama. Lama, é bom esclarecer, correspondia à redução gráfica de seu prenome.
Ele era bastante honesto para que a palavra “lama”, encontrada nas quatro letras iniciais de seu antropônimo, fosse confundida “com aquilo que degrada, envergonha ou avilta o caráter das pessoas”.
Conheci Lamartine há muitos anos. Todos o tinham como cidadão trabalhador, bom companheiro e bom pai.
Com o tempo, Lama resolveu entrar na política, com o propósito de contribuir para a moralização das instituições parlamentares. Faria tudo para salvar a dignidade do Parlamento, segundo ele, desacreditado, desmoralizado e apodrecido pela corrupção.
Havia algumas exceções entre os membros da Casa e ele se associaria a esses baluartes da honradez para salvar os recuperáveis e condenar os incorrigíveis.
Candidatou-se, recebeu expressiva votação, elegeu-se deputado federal.
No dia de sua posse, discursou impoluto:
– Senhor presidente; senhoras deputadas; senhores deputados; povo brasileiro! Hoje, realizo o sonho de representar meus concidadãos. Em benefício da pátria, darei meu próprio sangue para libertá-la da corrupção. Defenderei a ética na política; jamais transgredirei o decoro parlamentar; nesta e em outras legislaturas, se Deus assim me permitir, manterei fidelidade ao meu partido. O diploma que ora recebo será honrado como exige o povo que me elegeu.
…
Ninguém o aplaudia.
O discurso continuava em tom veemente.
– Familiares meus, não ocuparão cargos em meu gabinete; escolherei colaboradores de reconhecido saber, pessoas honradas e respeitáveis. Cumprirei as promessas de lutar pelo cidadão humilde deste país.
Emocionado, confessou:
– Eu amo esse povo!
Lamartine chorou.
Chorou mais duas vezes depois de mencionar as agruras de sua vida pobre e sofrida. Ele sempre chorava ao citar detalhes de sua infância e o sacrifício da mãe para criá-lo e aos irmãos.
Olhando para a platéia, ainda com os olhos lacrimosos e a voz embargada, disse:
– Não farei parte de conchavos; não me beneficiarei de regalias; não roubarei, se um dia me for concedida oportunidade. Esta tribuna será meu escudo e minha arma. Daqui, defenderei os interesses do povo e denunciarei as maracutaias que me chegarem ao conhecimento. Que se cuidem os corruptos!
Poucos no auditório o aplaudiram.
Nenhum parlamentar apertou-lhe a mão, solidarizando-se com ele.
O tempo passou. Lamartine aderiu ao esquema de seus pares;
esqueceu as promessas de seu discurso de posse; associou-se aos companheiros na disputa por cargos públicos; olvidou as denúncias de seus eleitores; desprezou a ética que defendia com ardor; aderiu aos conchavos políticos; locupletou-se da administração pública; fez-se igual à boa parte de seus pares.
Ele adorava ser tratado por ”vossa excelência”, “nobre deputado”, “distinto colega”; qualquer tratamento fidalgo o envaidecia, embora não mais merecesse o respeito dos cidadãos que o elegeram.
Lamartine enganou e mentiu ao povo.
Hoje, o simpático apelido – Lama – soa mal aos ouvidos da sociedade.