Vinte canções desesperadas e um poema de amor

Este livro deve ser visto como uma grande brincadeira que mistura poesia, música, pintura e teoria literária. Todas essas modalidades de uma certa forma podem ser vistas a aglutinadas sobre o grande guarda-chuva da arte (sim, a teoria literária também).

Ele reúne poesias musicadas e pinturas criadas durante a minha adolescência e inicio da vida adulta (se é que eu já cheguei nela) e representam, sobretudo, a passagem de um sujeito da infância para a responsabilidade. Nesse quadro é interessante notar, para quem conhece um pouco da minha obra, como a revolta frente às injustiças do mundo vai se transformando numa busca de solução (Espantalhos, Uma estação chamada Inácia e O natal do caranguejo) para finalmente assumir uma posição nietzscheana de que a vida é assim mesmo, dor, e que não tem muita solução a não ser viver uma vida de “amor fatti”. O livro é composto de poesias compostas que trazem a revolta, a esperança de que podemos mudar o mundo com a música, mostrando um “maduro” lado existencial filosófico, que buscamos associar à pinturas que de uma certa forma buscam complementar aquilo que não pode ser dito com palavras, uma pintura ingênua, coisa bem de criança mesmo, trazendo uma certa leveza, uma válvula de escape, contrastando com o peso da poesia. Juntamente com as poesias e os quadros regravamos as músicas que podem ser ouvidas através do site WWW.jecakerouac.com.br.

Essas músicas, de uma certa forma, parecem fazer a ponte, mediando a poesia e a pintura, não sendo nem tão pesada e nem tão leve. A música, que para Schopenhauer é a objetivação imediata da vontade, como as próprias idéias, ao seu nível. A música não é a imagem das idéias, mas sim imagem da própria vontade, enquanto para Schiller existe uma prevalência da música sobre todas as artes pois em seu processo de poetar o que aparece não é um objeto claro e sim uma certa disposição musical: “(...) como condição preparatória do ato de poetar, não uma série de imagens, com ordenada causalidade dos pensamentos, mas antes um estado de ânimo musical.”(NIETZSCHE, p. 44)

Depois de passar pela poesia, pintura e música, buscamos de uma forma totalmente descompromissada com os ícones acadêmicos efetuar uma análise literária (que quem sabe numa próxima edição se torne intemidiática) e mostrar como esses poemas (e por conseguinte os quadros e as músicas) podem ser analisados a partir de Bachelard, para quem a imaginação é a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, de libertar as imagens primeiras, de mudar as imagens. Uma imagem presente deve fazer pensar numa imagem ausente, e assim determinar uma explosão de imagens. O vocábulo fundamental que corresponde à imaginação não é imagem, mas imaginário. O valor de uma imagem mede-se pela extensão de sua auréola imaginária. Graças ao imaginário, a imaginação é essencialmente aberta, evasiva e, no psiquismo humano, é a própria experiência da abertura (Bachelard, 2001, p. 1), ou como afirma o poeta William Blake: “A imaginação não é um estado, é a própria existência humana”.

Para Bachelard, uma imagem estável e acabada corta as asas à imaginação, faz-nos decair dessa imaginação sonhadora que não se deixa aprisionar em nenhuma imagem e para se romper essa barreira da imagem “sem asas”, Bachelard vai buscar a ligação da imaginação através dos signos dos elementos materiais, numa lei dos quatro elementos da imaginação (água, terra, fogo e ar), sendo que cada um é um sistema de fidelidade poética (material) que está aliado a um sentimento humano primitivo e, mais do que isso, vai mostrar que o mundo como representação depende do estado onírico. Na profundidade, a matéria é o princípio que se desinteressa das formas; valoriza-se no aprofundamento (insondável, mistério) e no impulso (força inexaurível, um milagre). A meditação de uma matéria educa uma imaginação aberta. A imagem é uma planta que necessita de terra e céu, de substância e forma, matéria e pensamento. Porém, às vezes, as imagens não estão adaptadas à matéria que querem ornamentar. É de suma importância que a filosofia da imaginação estude a relação entre as causalidades material e formal, pois as imagens poéticas são dialeticamente constituídas por ambas.

Além disso, é importante falar nas três formas de distribuição do livro: através do site WWW.jecakerouac.com.br., através da venda dos livros feitos de uma forma artesanal, e através do projeto – com o objetivo de se concretizar até o final de 2008 – que chamamos de “O livro que viaja” e que encontrou muito da sua inspiração na música Bailes da vida de Milton Nascimento quando diz: “Foi nos bailes da vida, ou num bar em troca de pão/Que muita gente boa pôs o pé na profissão/De tocar um instrumento e de cantar/ Não importando se quem pagou quis ouvir, foi assim”. O livro que viajará terá uma distribuição aleatória efetuada em diversos lugares públicos, convidando o público a lê-lo, ser fisgado e continuar, e devolver para que outra pessoa leia, ou ler um pedaço e abandonar o livro sem interesse, ou ainda não percebê-lo. Essa forma tem o objetivo de possibilitar com que as pessoas ao se deparar com as vinte canções desesperadas e um poema de amor, parem um pouco, diminuam os passos desse relógio acelerado que encontramos nesse mundo dito “moderno” que trouxe, conforme Stuart Hall, uma compressão do tempo, com uma superabundância de informação que não dá vez a quem a recebe de pensar por um minuto que seja, pois já é invadido por mais um milhão de informações, numa inversão da famosa frase de Wharol que todos no futuro teriam seus quinze minutos de fama, que na atualidade se transformou num: no presente, todos os quinze minutos de fama estão distribuídos por milhares de informações.

Finalmente, é preciso segredar que talvez o principal motivo para lançar um livro atemporal é que apesar da sua ingenuidade ele já previa que a vida ficaria muito cinza e a possibilidade de trazer para alguém algo mais do que frases de auto-ajuda, que o impila á reflexão é sem dúvida uma idéia excitante. Eu costumo comparar a educação à água, um sujeito sem educação, é um lago com seu leito seco. A educação é a água que vai dar vida à esse lago. No entanto, somente a cultura e a arte podem fazer esse lago virar um rio e correr pelas montanhas da imaginação e reflexão, pois água parada apodrece e ainda é preciso afirmar que, com certeza, esse livro é lançado porque sobretudo, ainda acredito no que ele fala, ainda acredito na minha arte, e para aqueles que me conhecem um pouquinho melhor ficarem surpresos: Eu, apesar de tudo, ainda acredito no Homem.

Luiz Zanotti
Enviado por Luiz Zanotti em 18/10/2009
Código do texto: T1872900
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