TERRA
A tristeza absorvia os seres e tudo o que restava ao coração humano não passava de tédio, não passava de raiva. Era neblina, uma neblina espessa, um semitom que assustava.
Apenas as crianças que brincavam nas poças d´água conseguiam entender que viver era questão de simplicidade.
Todas as perguntas estavam no coração de Marta. Ela sabia o segredo das crianças, um segredo precioso, entretanto, entre Marta e elas existia o cotidiano.
Cotidiano...
...Terra, dia-a-dia, Seu Domingos que levava os filhos à escola; Dona Amaralina que brigava com a irmã; Dona Cleonice que chorava o rancor e as tristezas de uma vida de frustrações; Seu Martinho Vavá que sofria um enfarte, um garoto, Bruno, estatelado na calçada com o queixo machucado: cotidiano...
Cotidiano...
E Marta assistia a tudo pela janela: a vida, a respiração contínua, o movimento, o círculo. Marta pensava na vida, na tristeza dos seres, na dor. Sentia vontade de se transformar em alguma coisa, não sabia exatamente o quê. O sentimento que a vida passava ao seu olhar era apenas e decididamente seu. Totalmente seu...
Vontade absurda de se transformar. Não era gente, mas o que era, afinal?
Marta de barro, seus lábios, seus olhos, seu corpo, seu beijo, seu tempo, tudo, enfim, barro. Marta de barro, Marta do barro, barro da pele, barro de Marta.
Marta que não comia mais o pão pisado.
Não vivia a angústia de dia com pão, dia sem pão... O que era o pão? Farinha, mísera farinha, fermento.
Barro no rosto, vida de barro, sonho de barro, Marta de barro, Marta do barro, barro de pele, barro da pele, barro de Marta.
Marta transformou-se em barro. O barro misturou-se ao chão, penetrou mais fundo e espalhou o segredo da vida nas raízes mais profundas...