UM CERTO CRONISTA
Já faz certo tempo que o tenho observado, sempre na janela de seu pequeno apartamento, olhando, olhando e pensando não sei bem o quê. Magro, calvo, feição longínqua. Dei-lhe logo uma função: um certo cronista. E era mesmo o que fazia, todos os dias estava batendo o ponto, olhando a rua, observando o movimento e as gentes. Olhava atentamente as coisas. E isso é importante para um cronista: olhar atentamente as coisas.
Ao tomar o meu ônibus, como de hábito, ele estava na janela, escancarada, ele próprio um alerta. Uma cabeça aflita em pensamentos. Não poderia dizer que seu rosto era feliz, mas também não afirmaria tampouco que não o era. Entre os dentes um sorriso não sorriso. Aquele homem pensava o que via. E via a confusão da cidade. O monóxido de carbono e os anúncios estridentes das caixas de som. Eram produtos miraculosos. Só não curavam dor de poeta. As meninas e suas saias azuis balançavam ao vento. A polícia que ora passava, ora corria entre a multidão.
Aquele homem estava escrevendo, com os olhos, sobre a vida. Escrever sobre a vida... Escrever a vida. A vida se escreve de tantas formas, de tantos jeitos. E são muitos destinos para quem acredita que haja algum... O homem do apartamento. Prédio amarelo, número 313 da rua Aurora. Rua Aurora! Não era um poema de Manuel Bandeira. Era um homem, uma cabeça aflita em pensamentos. E olhava e pensava. Fazia disso seu ofício. Todo dia o dia todo.
No entanto, houve um tempo em que não mais o vi. Janela fechada, ar pesado. Onde estaria o cronista? Doente? Talvez cansado de tudo e de todos. Estaria enjoado de ficar olhando o cotidiano da sua janela mundo? Não obtive as respostas e jamais vou sabê-las, nunca mais vi aquele homem.
Nunca mais soube daquela cabeça aflita em pensamentos.