Mais um trago
Ouço o samba, escrevo poesia, falo besteira, me calo, tomo o trago e vou por ai parando por aqui, conto um ou dois contos, sem nada a ganhar ou perder, espero a morte e ainda sim procuro a flor da vida. Olhos profundos, cansados e cheios de certo saber, tem amor e ainda sim pranto. Vida longa que corre dentro de uma curta temporada, o palco vai apequenando para o homem que declama, encerro a prosa. Noite solida cheia de solidão, é dura como a realidade, outro trago tomo e saio do chão para voar mais perto da poesia, acendo o palheiro e faço figuras na fumaça, respiro lento e vou pensando rápido, dissipo tudo junto a brasa que apaga. Seguro rosas belas, perfeitas e perfumadas pelo caule espinhoso que sangra minhas mãos, aperto como quem as doma na marra, sei que para ter a poesia é preciso sangrar firme, seguro mais forte e as junto ao peito, sinto o coração cambalear em vida bendita que segue por seus amores profanos, as pétalas despedaçam e caem na lama, piso na beleza e me sobra junto ao corpo espinhos, procuro outro samba, escrevo outra poesia e ainda sim falo mais besteira, calo novamente e tomo mais um trago. Descolo os universos e divido em palavras o meu sentir, sou mais homem ou poeta, não consigo ser os dois em simbiose. Boêmio trancado na lucidez,deliro já em busca do irreal, outro trago no balcão, e já me canso desta noite. Entre becos e sombras me entranho na vida suburbana, vejo mais no menos do que brilho no ouro. Nas palavras da noite tiro as frases do meu dia, espero ainda montar um sentido para tudo que ouço e compreendo. Trago então depois de tantos tragos o homem que é nocauteado no esplendor de sua poética. Abraço a cama e sonho então o querer de todos os dias, o mundo calmo, a poesia entranhada no cotidiano, o amor que não tem fim, o samba que toca, a poesia escrita e prosa dita, mas quem ouve desta vez, entende, e sabe, não é besteira. Ninguém mais se cala e o trago não vem.