AS LIÇÕES QUE O TEMPO NÃO APAGA

- Primeira lição: eu nunca vou te esquecer -

Eu o conheci avô, por isso achava que ele nunca fora criança, jovem e adulto, porque ele era meu avô. Nascera gêmeo, um era Cosme e o outro Damião, foram esses os nomes atribuídos àqueles meninos. Damião o que viria a ser meu avô e Cosme o seu irmão, mas que eu não cheguei a conhecer, pois quando ainda era eu bem pequeno, ele veio a falecer de pneumonia.

Damião meu inesquecível avô; aquele que muito me ensinou com sua sabedoria adquirida através da contemplação e do tempo, e, como eu senti quando este resolveu nos deixar; ele já batia na casa dos 87 anos, porém de uma aparência bem jovem, uma mentalidade fantástica, um humor inabalável e de uma beleza suave que o tempo não conseguiu desbotar. Não media esforços para me defender de tudo e de todos; fui eu o seu primeiro neto...

Certa vez eu me encontrava em sua casa, à noite, quando ele me convidou para conversarmos no terreiro, como de costume em noites de lua cheia. Era uma noite fria e o pálido clarão da lua espalhava-se por todo o vale ou até onde se podia vê do terreiro da frente de sua casa. Olhando para a lua ele apontou e com sua voz mansa falou-me: - meu neto olhe para aquelas cores que formam um anel em torno da lua; e prosseguindo disse: - eu aprendi com o meu pai que chamava a esse anel de bolandeira. É um sinal de que muita chuva está por vir e que o ano será muito bom de inverno.

Essa conversa ocorrera em meados de fevereiro, quando eu tinha 9 anos de idade; e ele me dissera: - preste bem a atenção, aproximadamente dentro de sete dias deverá cair muita água, logo, eu preciso preparar a terra para o plantio do milho e do feijão, ele era agricultor, e nessa mesma noite ainda me apontou a constelação do Cruzeiro do Sul e as três Maria, astros luminosos que se dispõem em linha reta, e foi ele quem primeiro me falou que os astros são utilizados para orientar os navegantes do mar.

A partir dessa noite, fiquei há contar os dias, para saber se ele falava a verdade, e qual não foi meu espanto quando no quinto dia após nossa conversa, amanheceu chovendo a cântaros. Essa foi à primeira lição de sabedoria popular que me fora passada por meu inesquecível avô, o mais belo vô do mundo, pelo menos para mim seu primeiro neto.

- Segunda lição: com você eu aprendi a ver a vida com suavidade -

Certa feita quando caminhávamos as margens de uma várzea, eu a frente, quando de repente ele parou e ficou a observar. Intrigado com aquela parada repentina do Vô, eu retornei e fiquei parado ao seu lado. Ele acocorando-se me puxou pela cintura e apontou em uma direção e falando baixinho me pediu para olhar na posição do seu dedo em riste: vês aquele ratinho marrom, ele esta transportando seu ninho da touceira de capim de seda, que fica no baixio, para o alto, para a vassourinha de botão, pequeno arbusto que brota nas elevações do solo de massapé, em várzeas ou charco geralmente nos baixios.

Fiquei a observar o ratinho conduzindo os gravetos e fibras com os quais laborava sua morada; ia e voltava até que todo o material fosse transferido do ponto baixo para o mais alto.

Então meu avô disse: - aprenda você com eles, estes, quando percebem que a chuva vai cair, mudam seu ninho para um lugar mais alto, para que a enchente não carregue os seus filhotes e sua morada. Logo, preste muita atenção, daqui a aproximadamente três dias a chuva virá em abundancia. Qual não fora o meu espanto, quando na noite do terceiro dia a água caiu sem trégua e assim permaneceu por dias a fio e toda aquela várzea ficou alagada, mas o ninho do ratinho marrom estava lá, seguro e sem alagamento ao seu redor e por certo os filhotes protegidos e aquecidos.

Com o meu avô aprendi essas lições que só se encontram no livro do tempo e da observação contemplativa. Aprendi também a ver a vida de um modo mais suave, e, a compreender um pouco mais da natureza como um todo. Pude passar aos meus filhos esses ensinamentos, que por certo passarão para os meus futuros netos, e estas lições, quiçá, sejam as lições que o tempo não apagará jamais.

Rio, 11/10/2009

Feitosa dos Santos