ESCREVER É PRECISO

ESCREVER É PRECISO

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O tema é dotado de uma amplitude incomensurável. Todavia revela que algo está por vir à tona embora sejam tantos os pontos que pululam dentro do cérebro. Política? Amor? Extravasão? Liberdade? Prisão? Paz? A lista não pára aqui. Vai bem longe... Ah, a barba que estou deixando crescer. Até quando? Quando incomodar e ficar difícil de cuidar zelosamente dela? Não sei... A verdade é que já incomoda outras pessoas. Minha filha já pediu, mais de uma vez, para eu removê-la, pois que não se ajusta, em sua opinião, ao meu perfil! Fico parecendo ter mais idade do que aquela que realmente possuo hoje: cinqüenta e nove anos, seis meses e dois dias, ou então, que meu rosto parece sujo. Particularmente penso que nenhum dos dois argumentos é convincente, posto que a idade é essa mesma, nada a muda, a não ser o avanço, impossível de ser freado, do calendário; quanto à sujeira também não cabe já que diariamente, ao tomar banho, é lavada como se fosse o cabelo da face. Estou deixando a barba crescer por uma razão: não preciso barbear-me com freqüência para deixar o rosto liso, coisa que, de fato, dura apenas algumas horas, nada mais do que isso. A barba crescida, reconheço, muda minha feição, fazendo com que pareça ter um rosto mais cheio, como está mesmo: cheio de fios de barba crespa e branca, com alguns fios castanhos que lhe dão o tom de barba grisalha. Outras pessoas dizem que se assenta bem para mim, não precisando cortá-la. Não importam quais sejam as apreciações, de vez que, também, de tempo em tempo, merece ser aparada, aí sim, para não dar a impressão que está alojada num rosto de uma pessoa desleixada, talvez até preguiçosa. Uma coisa que acontece mesmo é que, de vez em quando, a dita cuja produz coceira no rosto, talvez pelo fato de ser composta de fios crespos e também engrossados. Se você já viu um fio de cabelo ao microscópio há de saber que mesmo os cabelos mais lisos não têm a forma redonda: são achatados, parecendo uma lâmina bem fina e longa. Acredito que, mesmo a barba constituída de fios encrespados, seja mais parecida com um conjunto de lâminas mais grossas, cheias de curvas a dar-lhe o formato de fios encaracolados. Este formato responderia, então, pela causa da coceira que, quase a todo instante, surge. Basta coçar que desaparece a sensação incômoda, gerada pela coceira. São os percalços que acompanham, naturalmente, a barba, fazendo parte dessa nova visão facial, o coçar e o aparar. A parte da pele do rosto que se esconde atrás da barba ficará sem tomar sol a ponto que, quando for retirada, ficará com uma tonalidade mais clara e mais sensível, já que a lâmina de barbear deixou de circular nesse trecho. A lâmina que corta a barba faz a pele que a contém, em atitude de defesa, tornar-se mais resistente e menos sensível. Essa é estória de quem deixa a sua barba crescer: uns desgostando e outros de acordo. Os que aprovam é porque vêem na barba crescida um ar que lhes agrada, associado a alguma boa figura de seu imaginário. E os que desaprovam, o contrário. Entrementes, aquele que permitiu a barba crescer tem sua autêntica razão, a qual apenas ele sabe. Qual poderia ser essa razão? Qualquer uma, menos a de querer mudar o figurino imutável do rosto da vida: barba feita ou barba crescida, nada detém o crescimento dos fios vivos. No fundo, a barba na face, seja curta, longa, feita, aparada, grisalha, encaracolada, lisa, etc., nada mais representa do que um componente da imagem visual mutável. Assim, se estiver comprida basta barbear-se que a sua missão estará cumprida. Com ou sem barba sempre a face cumpre sua inarredável missão