OLHOS MAREJADOS DE LÁGRIMAS

OLHOS MAREJADOS DE LÁGRIMAS

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As lágrimas não existem unicamente para lubrificar, umedecer e limpar os olhos, seguramente.

Quando as lágrimas cobrem os olhos estarão, também seguramente, cumprindo outras funções: vindo para o mundo exterior depois de terem lavado a alma, exprimindo um contentamento, uma tristeza e, por que não?, representando a extravasão de uma saudade contida. É quando liberam a expressão do amor que as reteve por um lapso de tempo, melhor dizendo, quando vemos alguém de quem gostamos muito e não víamos este alguém há já algum tempo. É o chorar que “mata” a saudade. Experimentei este choro no último domingo quando abracei meu filho que estava retornando de uma viagem em que ficou durante seis anos, três meses e nove dias num país estrangeiro para lá trabalhar e fazer parte de sua vida. Eu nunca houvera conhecido este tipo de lágrima antes que, além de deixar, como é comum, os olhos avermelhados e muito úmidos, também tiraram o ar que seria usado para assoprar um apito, que seria a exteriorização de minha alegria em vê-lo de volta. Nesse momento percebi que o ar se transformara em água salgada, que é o que dizem que a lágrima é (talvez dessa forma de água tenham nascido as conhecidas expressões “mar de lágrimas”, “ficar com os olhos marejados”). É preciso acrescentar que a tecnologia permitiu-me vê-lo e conversar com ele, em tempo real, antes, diversas vezes através da tela e do som de um computador, via Internet, através de telefone podendo também falar-lhe e ouvir sua voz e através de fotos e vídeos ver sua imagem. A própria natureza também contribuiu: seu irmão gêmeo univitelino esteve aqui conosco o tempo todo e neste outro filho podia amainar um pouco a saudade, contemplando-lhe a incrível semelhança física, tanto de corpo, como de vozes, de rostos, menos de gênio, pois de fato são dois filhos que vieram ao mundo numa só vez. Aquele que esteve ausente por aquele período fez-me chorar outra vez: foi quando meu pai partiu e eu estava na alameda principal do cemitério. Era dia 11 de agosto de 2007, exatos quatro anos e dois meses relativamente à data de sua saída do Brasil. De lá longe ele telefonou dizendo que sentia muito não poder estar ali para dar o adeus ao avô, dizendo isso com voz embargada e entrecortada por lágrimas de choro, audíveis ao telefone. Nesse exato instante meus olhos despejaram lágrimas de tristeza, por ele que não poderia ver meu pai pela última vez, e por mim, que me senti duplamente entristecido: meu pai partindo e meu filho, tão longe. Mas era como se ambos não estivessem viajando porque o coração, quando tomado de sentimentos autênticos, constrói imagens reais de vida em nosso interior. Passou meu pai para o outro lado da vida e o tempo passou, trazendo de volta meu filho; entretanto as lágrimas ficam gravadas em nossos corações, pois representam momentos de emoção incontida, emoção que quer dizer, com todas as letras, que o amor verdadeiro jamais se apaga, não importa o tempo e nem a distância. Cabe aqui relatar, ainda, a superposição de outra data: no dia 11 de junho de 1900, portanto há 103 exatos anos antes, seu bisavô, meu avô, aportava em Santos, imigrando da Itália para o Brasil, aliás, data em que comemorava seu décimo - quinto aniversário. Viagens....lágrimas...