"SANTA IGNORÂNCIA"

“SANTA IGNORÂNCIA”

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A pesquisa de argumentos para canonizar a ignorância afigurar-se-ia como um empreendimento de vulto e demorado se fosse merecer o mesmo tratamento dispensado a uma pessoa.

Perante os conhecimentos, conceitos e preconceitos já adquiridos e em aquisição pelos habitantes do planeta Terra, uma criança recém-nascida é literalmente ignorante e, por não ter cometido nenhum pecado terrestre, tem feições angelicais. Ainda, por estar mergulhando no mundo exterior, estará continuando o milagre da vida brotado num mundo interior cujos mistérios estão desvendados em quase toda sua plenitude.

Em decorrência, ao menos por alguns momentos, seria possível supor que essa criança fosse uma santa ignorante!

Não desmerecendo esta virtude, estaria impingido o primeiro rótulo à recém-chegada!

É uma velha mania que existe, esta a de a tudo se atribuir qualidade que nem sequer se manifestou. A situação piora quando esta mania vai, de maneira geral, buscar os lados negativos: pegam-se uns poucos pontos aqui, inventam-se uns outros contos acolá, coam-se pontos e contos em peneira de malha grossa e tem-se preparada mais uma receita inédita que, com exatidão esportiva, atingirá seu alvo.

A concepção de limites integra o cabedal de conhecimentos, embora a capacidade intelectual humana seja ilimitada. O tempo é o fator limitante e, para tentar remover esta barreira, o homem concebeu o computador, cuja principal propriedade é trabalhar à velocidade da luz.

Mesmo amplamente difundido, este celebrado aparato ainda não substitui a mente humana, que mente, desmente, comenta, aumenta, diminui, influi, aceita, rejeita, espreita... Enfim, pensa e sente.

Pensamentos e sentimentos, quando se aliam, avançam além de qualquer fronteira, seja física ou emocional. Órgãos artificiais são arquitetados para salvar e prolongar vidas enquanto guerras sofisticadas criam tecnologias que acabam por eliminar e encurtar vidas. Contra-senso!

Sentindo o que a mente pensa e pensando o que o coração sente, dedos ágeis incumbem-se de teclar o computador para resolver enigmas, bocas alertas põem-se a proferir palavras para esclarecer confusões, ouvidos hábeis predispõem-se a captar tons para compor soluções, narizes sensíveis aspiram perfumes que inebriam a alma... Bom-senso!

Por infelicidade, nem tudo é assim.

Alguns sentimentos da mente e alguns pensamentos do coração – funções invertidas! – trazem à tona, com freqüência, palavras, gestos e ações que bem poderiam continuar inertes nas profundezas de suas origens, em vista de dissabores, distúrbios e estragos que, involuntaria ou propositalmente, provocam. Em qualquer caso, mesmo que haja desconhecimentos e desde que não haja preconceitos, as conseqüências terão menor alcance, impacto e duração. Evidencie-se, entretanto, que o disparo de preconceitos, na totalidade das vezes sem quaisquer fundamentos concretos, injeta ferinos fragmentos em quem for alvejado.

Por felicidade, nem tudo está perdido.

Os lúcidos conceitos que sempre emanam das auréolas que circundam as frontes humanas têm a capacidade de criar defesas naturais contra aqueles tipos de emersões e “tiros”. Cerrando ouvidos e olhos diante de vozes e visões desconexas ou sem alicerces, a mente e o coração, em trabalho conjunto e inteligente, instruem a boca para manter-se calada, atitude sábia que dificulta e até impede o prosseguimento das turbulências.

Senão, afinal, a “ignorância” habilita-se a receber sua coroa de “santa”.