DESCANSO MERECIDO

DESCANSO MERECIDO

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O camelo caminha pelas escaldantes areias do deserto, levando em seu dorso um beduíno sedento.

O oásis aproxima-se ao cavalgar compassado. Água límpida, sombras refrescantes, tâmaras saborosas, grama macia aguardam estes dois seres, depois de terem percorrido longa jornada.

Um quadro assistido em algum filme, lido em algum livro, ou admirado em alguma pintura, em algum dia. Seria uma reprise, portanto.

Todavia, o que o beduíno, montado em seu camelo, poderia estar buscando no oásis, além de alívio para suas canseiras?

Estando distantes do deserto, desconhecemos o nome e vida que leva esse homem, mas sabemos que seu camelo jamais esteve exposto à visitação pública.

Assim descrito, nada se pode afirmar sobre os reais motivos de sua busca, embora existam, talvez, traços que os desvendem.

A agressividade, em regra, habita os hábitos cotidianos do beduíno porque as areias o agridem, o sol o maltrata, as distâncias o consomem, o horizonte lhe some, a noite esconde-lhe as rotas, embora as estrelas o norteiem, os oásis não se movam e se situem em áreas estrategicamente selecionadas pela Natureza.

Tudo isto emoldura o quadro, onde logo o beduíno estende no chão um manto para nele deitar-se.

Seu animal recosta-se numa árvore e, em seguida, ruminará e dormirá, pensando com seus pensamentos de camelo.

O homem, apesar de abatido pelo cansaço, terá tempo, mesmo que seja um curto segundo, para reflexões, mansas e despidas de qualquer ponta de homem rústico e tido como intratável.

As constelações enviam-lhe mensagens em suas réstias de luz estelar, a escuridão da noite não o assombra, a lua, em fase quarto-crescente, acena-lhe um formato de boca sorridente, como se por essa boca fossem fluir palavras doces que não o deixariam em sua usual solidão, que se manifesta quando está sentindo o implacável calor solar e refletido pelas tórridas e nuas areias diurnas.

Seu pensamento noturno, então, envereda por sendas de mansidão, caminhando placidamente, admirando com carinho cada grão de areia que está a sua volta, sentindo o frio do vento a acariciar-lhe o rosto barbudo, antevendo o colorido do alvorecer, pressentindo as formas suaves das dunas da areia sob as patas de seu camelo, adormecendo seus sonhos aos sons inteligíveis que fortalecem as canções do silêncio.

Desaparece agora aquela rudeza indômita, que dorme o sono da calmaria dos ares desérticos.

Sua face exprime, debaixo da barba empoeirada, um sorriso infantil, ingênuo, dominado pela pureza de um lírio.

De fato, daqui por diante, seus sonhos não poderão ser penetrados e possivelmente nem mesmo o sonhador deles vá se lembrar quando acordar na manhã seguinte. Ficarão indelevelmente impressos em seu coração de homem das planícies arenosas.

E, por mais que se tente, nenhuma editora conseguirá imprimir os sonhos que o beduíno sonhou nessa noite, eis que foram construídos sob as influências das constelações, da escuridão, da lua, de seu sorriso, de sua vida seca e errática.

Enquanto estas visões se desvanecem, o camelo acorda, torce seu pescoço, rumina também todos os seus sonhos e bebe a água da fonte, preparando-se para o prosseguimento da viagem que os espera.