ELE ESTEVE LÁ

ELE ESTEVE LÁ!

280.803

Para todas as vezes em que se ouve a afirmativa-título, de imediato vem a pergunta seguinte:

-“Lá, onde?”

-“Lá, é lá mesmo, na beira do raio que o parta, caramba!, seu curioso p’ra mais de metro!” – é a infalível resposta que iniciaria um provável ríspido diálogo, que se travaria se não fosse a retomada educada da resposta para complemento da resposta:

-”Bem, lá é ali na beira do rio que parte a cidade em duas metades hiperbolicamente simétricas, ‘tá mais satisfeito agora?”.

-“O que querem dizer hiperbolicamente simétricas?” – eis mais outra questão da lavra do já curioso interlocutor.

-“Exageradamente simétricas...”

Afinal de contas, por quê tanta simetria? – até nós, de nosso quieto canto, não nos poupamos o esdrúxulo direito de lançar tão inexorável questão, uma pergunta que, no fundo, no fundo, todos queremos fazer!

Bem, a resposta, já fora daquele pretenso diálogo, será bem simples:

Asa Norte, Asa Sul (parece que estamos falando da Capital da Nação Brasileira!), há algo tão simétrico como o Norte e o Sul? Há algo tão simétrico como as asas de um avião (em verdade humana, um pássaro tão metálico!)? E, ainda, se não for Norte e Sul, será Leste e Oeste, Nordeste e Sudoeste ou Sudeste e Noroeste: não interessa a Direção, interessa que sejam Asas! Ou Alas...

Era a Ala H (ou a hora H?), a Ala 8 (a ala continua com sua qualidade de partes simétricas, apesar de a linha de simetria alternar-se de vertical para horizontal) do Hotel que recepcionou o passageiro, identificado sem seus documentos, mas com ficha de viagem, principalmente para fins de almoxarifado, sob número 2.211.

Então, de repente um outro passageiro cai estatelado, sangrando pelas ventas, tendo antes saltado para fora de sua boca algo que parecia um bolo amarelo ensangüentado como que lembrando uma língua que fora extirpada de seu alojamento... Era um passageiro que sofrera – assim depois constatou o médico-enfermeiro do Hotel que recolhera aquela peça vermelho-amarelada e repleta de sangue assim como também houvera recolhido, antes e em uma maca apropriada ao local, o seu dono – a explosão de uma úlcera estomacal, tendo, por causa desta explosão, caído e sangrado tanto. Já estava morto!

O Hotel acabara de perder um passageiro, em cuja ficha de viagem alguém se incumbiu de anotar exatamente ali na linha que indicava o Horário de Partida: “Imprevisto”.

Um outro outro passageiro, um Homem das Leis, chegara, numa das noites anteriores, trazido quase arrastado tal a homérica bebedeira que tomara em um dos muitos barzinhos noturnos que havia naquela tão agradável estância turística. Todos os demais passageiros, mormente aqueles que não tinham o costume de presenciar espetáculos análogos, quedaram-se admirados. A indagação marcantemente presente nos rostos desses desacostumados passageiros estampava-se febrilmente inquiridora: “Por quê tanta cachaça num só estômago?”.

Aquele terceiro outro passageiro tinha uma terrível dor-de-estômago e ainda por cima teve de tomar, naquela inóspita noite, seus remédios para dormir, usando pura água pura ao invés de leite, leite que, nessa mesma tenebrosa noite, acabara de acabar com o banho de leite que tiveram de dar no segundo outro para curar-lhe o temível cheiro de álcool, que exalava por todos os seus poros, sobretudo os que lhe revestiam a região estomacal...

Talvez seja por isso mesmo que ele esteve lá: para saber que é preciso ter muito estômago para contar estórias de estômagos!