A ARTE DA PERCEPÇÃO DO ÓBVIO

A ARTE DA PERCEPÇÃO DO ÓBVIO

201.200

Qual é o móvel da palavra escrita?

Esta é uma questão acabada e perfeita

Cuja resposta veste correlação estreita

Com a pequenez das estrelas, que é infinita!

. . . franz von titus

Mesmo sendo evidente, incontestável, translúcido ou intuitivo, de vez em quando despontam dificuldades para compreender um fato ou uma situação.

Chega-se até a agregar ao óbvio outros adjetivos para reforçar a nitidez que dele emerge: ululante, retumbante, etc.,... E nem assim capta-se o que aconteceu, está acontecendo ou poderá acontecer.

Existem razões para tanta dificuldade, sem ou com dúvidas.

Para que o fato ou situação chegue a alguém, fontes de comunicação devem estar instaladas: os sons emitidos ou pronunciados, a letra impressa ou uma gravura envolta em moldura de arabescos, o toque com as próprias mãos, o perfume aspirado, o sabor degustado ou a imagem criada no próprio cérebro.

Além das fontes, há os meios que desempenham papel preponderante no processo de comunicação.

A orquestra sinfônica apresenta ao vivo seu concerto em sala que comporta apenas mil admiradores, a estação de rádio sintonizada transmite notícias resumidas, o canal de televisão exibe programação infantil, a rodinha de conversa forma-se nas arquibancadas do campo de futebol; o jornal é de outra cidade, a revista está na ante-sala do consultório médico, o livro foi escrito por Machado de Assis no século XIX, a luz elétrica está oscilando, a fotografia tem um ligeiro embaçamento, a pintura não é de artista consagrado; o cabo da panela estava curto, a champanha acabara de ser posta no congelador; há vários tipos de flores no buquê – que não se compõe apenas de rosas! -, a tampa do latão de lixo ficou mal posicionada; no restaurante o prato especialmente preparado era lagosta, o vinho francês azedou; queria ganhar na Mega Sena acumulada, contudo sua carteira estava vazia e não pode apostar, o quarto estava escuro, mas uma luz azul iluminava sua mente...

Apesar de no meio do caminho já haver alguns pontos de interferência, quando aquele fato ou aquela situação atinge o receptor final, o homem, completa-se o processo de comunicação. Completa-se? Inicia-se! A partir da mensagem original segue-se a articulação cerebral que se incumbe de acrescentar, retirar, transformar, inverter ou reposicionar partes da mensagem, criando a versão que mais lhe interesse, deslumbre, cative, repugne ou até mesmo passe por ignorada.

A este momento de ebulição mental acrescentem-se as influências de estados de espírito dominantes. De triste poderá tornar-se alegre o fato ou a situação ou vice-versa, de conteúdo consistente poderá acabar em estrutura vazia. A obscuridade que continha poderá transmudar-se em refulgência, semelhante ao brilho solar. Enfim, alguma transformação sofrerá, inclusive perdendo sua característica básica de obviedade contundente.

Um momento seguinte virá quando o receptor for repassá-lo, aquele óbvio já diferenciado de suas características originais, a outro interlocutor.

Este momento será escorregadiço porque 1+1=2 está apto a transfigurar-se em 11. Então, adeus percepção do óbvio!

Por mais objetividade que o fato ou situação contenha sempre uma nesga de subjetividade pode ocupar lugar de destaque, causando-lhe alteração fatal – a vítima assume a condição de réu enquanto que os tiros disparados pelo réu é que liquidaram a vítima!

A conclusão é óbvia: argumentos não resistem a argumentos.

E, por conseguinte, não haveria salvação ao óbvio.

É obvio que há!

No mínimo, extirpar idéias preconcebidas ou tendenciosas, localizar o fundo do fato ou da situação, mesmo que isto requeira sensível tempo para análises comedidas e, por último, acionar o filtro do bom-senso.

Como resultado da utilização desses procedimentos, de imediato advirá uma exclamação bem freqüente:

- Já vi este filme antes!