Roberto Carlos: patrimônio da MPB
Por mais que um artista seja muito querido e tenha uma carreira sólida, jamais ele será unanimidade de público. Isto, aliás, é o que menos importa em se tratando de história. Nomes como Roberto Carlos, que este ano comemora cinco décadas de trajetória profissional, já integram o patrimônio da Música Popular Brasileira, mesmo com todos os pós e contras que todos eles agregam ao longo de suas vidas.
Em se tratando de Roberto Carlos, que esta semana também é homenageado em Viçosa-MG com uma exposição no Supermercado-Escola, no campus da UFV, demorei quase quinze anos para admitir a sua grandeza como cantor e compositor. Na adolescência, em plena década de 80, quando o rock nacional vivia o seu auge, eu não ligava este capixaba às suas origens na Jovem Guarda, e sim a um romantismo meloso que, na ocasião, a maioria dos adolescentes considerava brega ou careta.
Também devo admitir que o título de “rei” e uma sequência de discos com canções em homenagem a gordinhas, mulheres de óculos e caminhoneiros me impediram de reler com a devida atenção a obra que fez de Roberto Carlos um artista respeitadíssimo por vários nomes da MPB que tanto admiro. Um grande amigo da minha geração, que já havia feito a sua mea culpa com relação a Roberto, terminou sendo a ponte que eu precisava para fazer o mesmo. Ele me deu duas fitas cassetes (hoje praticamente extintas) com uma seleção de pérolas do seu extenso repertório.
Entre as canções dessa fita, que me fizeram rever a minha opinião estagnada e preconceituosa sobre Roberto Carlos, estão “Cavalgada”, “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, “Sua estupidez”, “Quero ter você perto de mim”, “As flores do jardim de nossa casa”, “Eu disse adeus”, “As curvas da estrada de Santos”, “Como vai você”, “Menor que o meu amor”, “Detalhes”, “As baleias”, “Jovens tardes de domingo”, “O portão” e “Sentado à beira do caminho”.
É normal que haja fases diferentes na carreira de um artista, principalmente se ela for tão longa quanto a de Roberto Carlos. No seu caso especificamente, é também compreensível que os apelos comerciais, contratos com gravadoras e mesmo modismos o tenham levado a compor canções consideradas menores do que as que o tornaram um dos ícones da nossa música. No entanto, seria muito bom se suas composições inéditas pudessem ter grandeza igual às de sua fase áurea.
De uma forma ou de outra, Roberto Carlos conseguiu a proeza de transitar por todas as classes sociais e por todas as tribos culturais, deixando sua marca e inúmeros admiradores em todas elas. Como disse certa vez o escritor mineiro Affonso Romano de Sant´Anna, "ele é o lado kitsch dos ouvintes mais sofisticados e é o lado mais sofisticado dos ouvintes mais kitsch. É uma espécie de herói popular".
Essa popularidade pode ser medida não só nas mais de cem milhões de cópias vendidas de seus discos, ou no prestígio de seus shows e programas de fim de ano na Globo. Ao longo dos últimos 50 anos milhares de pessoas foram batizadas com seu nome ou em homenagem às suas músicas. Exemplos bem conhecidos são os de dois famosos do nosso futebol – ambos também idolatrados pelos amantes da Seleção Canarinho: o lateral-esquerdo Roberto Carlos e o zagueiro Odvan. Este último, uma bizarra referência à belíssima (e triste!) "O divã", de 1972. A propósito, para quem nunca a ouviu, a letra desta canção é uma leitura autobiográfica feita por Roberto da sua infância em Cachoeiro do Itapemirim. Nela se encontra uma pista de um dos maiores mistérios que até hoje envolvem a sua vida.