UMA FLOR NÃO É APENAS UMA FLOR

UMA FLOR NÃO É APENAS UMA FLOR

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O maravilhoso mutismo de uma singela flor ultrapassa, com extrema rapidez, toda a complexidade de um glossário de palavras, técnicas ou românticas, este minuciosamente elaborado com o intuito de esclarecer o que aquela mudez, com naturalidade, exala através de cada uma de suas pétalas.

A sabedoria da Natureza, entretanto, não deixa a flor desamparada, de tal sorte que sobre ela, em todos os segundos, paira a amplidão protetora dos véus celestes.

Para completar este painel, além de pássaros que o entrecortam, durante o dia, refulge o sol, exposto em sua plenitude ou encoberto por nuvens e, durante a noite, lá está a lua a refletir suas fases.

E, independentemente da cor com que se desenhe a coloração dos céus, havendo nuvens, cedo ou menos cedo, choverá.

Por sua vez, a chuva incolor haverá de molhar aquelas pétalas mudas, emprestando-lhes nova tonalidade, mais aguda ou mais grave, conforme seja necessário à flor espargir aos ares as graduações do perfume do silêncio.

Ninguém jamais deixou de experimentar, ao menos por uma vez, um dos resultados produzidos pelo silêncio.

Este resultado experimentado traduz-se, nesta úmida hora, pela habilidade que se lhe dá em conduzir à meditação profunda e capaz de trazer à tona todos os sons que aquele mutismo aparente, solenemente instalado na singela flor, não os deixava fazerem entender-se.

Na flor, quieta e, ao mesmo tempo, agitada, está presente magnífico exemplo de grandeza de um pequeno pingo d’água, que caiu em conjunto com outros pingos de água que formaram a chuva.

É constatação deveras simples, mas consagrada de forma universal, que uma pequena gota de água representa a união de milhares e milhares de átomos e moléculas.

Além disso, existe invisível força de coesão entre esses átomos e moléculas, a qual força, entretanto, oferece à água inigualável flexibilidade, pois, se muito quente, evapora-se, se muito fria, congela-se, se natural, alimenta, se poluída, encerra a vida daqueles que nela vivem...

Rompendo-se elos de correntes que aprisionam anseios de expandir as percepções, multiplicam-se as palavras mudas que calam os pensamentos afoitos que nada viam ou ouviam naquela humilde flor apenas porque gotículas de água antes não tinham se assentado em suas pétalas.

Essas palavras silentes, emanadas de uma flor, têm mais poderes que ainda podem ser decantados: não só calam aqueles pensamentos como também, com freqüência, os ativam.

Esta ativação remete-os às batalhas internas que realmente começam a introduzir alterações sensíveis nos olhos e ouvidos.

Com isto, olhos e ouvidos, que antes só se apegavam à forma e não distinguiam os sons, principalmente e acima de tudo, sem se aperceberem de outras visões e de celestiais e rejuvenescidas músicas impregnadas em cada pétala de cada flor plantada nos desertos do Universo, desdobram seus horizontes, suprimindo limites e tristezas.

Se uma única e solitária flor, coberta de gotas de chuva, em silêncio, pode provocar tão marcante evolução, quanto não poderão todos os jardins floridos que existem nos cantos do Mundo, todas as chuvas que os molham e todas as canções de Primavera cantadas por pássaros que voam felizes e libertos!