A ÓPERA DOS QUADRADOS MÁGICOS

Osvaldo André de Mello*

“ O quadrado e o círculo absolutamente belos em si mesmos.”

Platão

A instalação de Adel Souki, “Mil Moradas e Uma”, na Galeria Arlinda Corrêa Lima, Palácio das Artes, Belo Horizonte ( 04-26 agosto 2009 ), constitui-se de dois momentos: o processo de construção e o resultado formal da instalação.

No processo de construção, a artista convoca seus jovens assistentes, oriundos de instituições educacionais, instaurando um atelier, onde apresenta, discute, ensina técnicas de cerâmica e, assim, também, mestra de obra, encaminha o seu projeto de “casa”, obtendo um resultado material: “Mil Moradas e Uma”. Os participantes desencadeiam um movimento performático, que cruza técnicas e linguagens, ao serem acionados pela idéia de “casa”: a busca da forma plástica na argila, o desenho corporal no espaço, a partitura dos ruídos produzidos pela atividade, os aspectos sonoros e intelectuais da fala, onde se insere a emoção das histórias individuais.

Essa construção intertextual, coletiva, permite a leitura de pelo menos uma idéia subterrânea pertinente: a expressão de “casa” configurada no “corpo”, o que é uma recorrência no Budismo. Uma das vozes que contam experiências de “viver” no “corpo” é a do garoto, expulso de casa, um sem-teto, que mora sob os carros que vigia, abrigado no próprio corpo.

Todo o extrato sonoro produzido gera uma trilha, a qual ultrapassa o seu tempo real, e, gravada, estabelece uma ligação com o momento seguinte de reapresentação estética da realidade. O som da construção permanece e auxilia o visitante na tarefa de reconstrutor/leitor da instalação definitiva. A trilha sonora é um texto imaterial ( o incriado ), que dialoga com o texto material, as casas ( a criação ), também evocadoras de sonoridades interiores – que, agora, expressam as idéias do consumidor, ao mirá-lo.

Ao olhar/ouvir a instalação, o visitante percebe que Adel Souki criou um projeto urbanístico ( a cidade imaginária ) e um projeto arquitetural ( as casas ), as quais, no invariável tamanho 25 x 25cm, construídas pelos “habitantes”, celebram o quadrado como forma única multiplicada e que recai sobre si mesma, minimalisticamente. O projeto urbanístico ( as casas no espaço ) explora apenas dois lados do quadrado, que, assim, desconstruído, fisicamente, mais uma vez deixa uma cidade na condição de “criada” e as linhas restantes da figuração geométrica, inclusive, a diagonal que secciona o quadrado, tornando-se a base simultânea de dois triângulos, na condição invisível de “incriadas”. A instalação reproduz um ângulo reto, reunindo, nele, lado a lado, as casas da urbe e por este sugere os outros três.

Observa-se que a memória histórica incorporou à forma quadrangular, e, portanto, a todas as etapas da instalação, camadas de significados simbólicos.

Os textos canônicos tibetanos indicam a saída da condição individual, do “cosmo”, pela fórmula de arrombamento do telhado da casa. Através da história, diversas culturas, tanto orientais quanto ocidentais, construíram cidades, templos, praças e casas com a forma quadrangular, portadora de espiritualidade e representativa de tangibilidade, solidez e estabilidade, com vistas à interiorização.

Será, pois, pelo “destelhamento” que Adel Souki, ao mesmo tempo, propicia e desvela o ser interior, os estados da alma, a intimidade ( Bachelard ), estabelecendo a sua ligação com o infinito, a união da terra com o céu. O “destelhamento” permite a realização de projetos de “casa” sem uma única abertura cardeal, nas quatro paredes, já que as “entradas” e “saídas” se operam, graças à inexistência do telhado. Mais uma vez, a oposição recorrente desta obra: “o visível” (as paredes da casa ) x “o invisível” ( o telhado ).

“Mil Moradas e Uma”, finalmente, utiliza o elemento terra para abordar o quadrado, representação da Terra medida por seus quatro horizontes.

A memória simbológica da forma atua como fator de coerência e coesão deste texto: a obra de Adel Souki.

Publicada no Jornal Agora de 13 de agosto/2009, p.2.

*Osvaldo André de Mello nasceu em Divinópolis, estudou Artes Cênicas no Teatro Universitário em Belo Horizonte e voltou para Divinópolis, onde se formou em Letras. Sua primeira publicação foi aos dezenove anos, com A Palavra Inicial (1969), e o poeta publicou ainda Revelação do Acontecimento, Cantos para Flauta e Pássaro, Meditação da Carne, e A Poesia Mineira no Século XX, entre outros. No teatro, dirigiu peças de grandes autores, como T. S. Eliot, Nelson Rodrigues e Emily Dickinson. É responsável pela montagem e direção do espetáculo APARECIDA NOGUEIRA IN CONCERT e ENSINA-SE A VIVER.

Hoje, dia 30 de agosto, Osvaldo André sopra mais uma velinha.

Parabéns!

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 30/08/2009
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