O ESPAÇO E O SILÊNCIO

Osvaldo André de Mello*

Tenho a máxima admiração por todo o pensamento de Maria Montessori. A “Pedagogia Científica”, “A Criança” e “A Educação e a Paz” me ensinaram muito do que ensinei, por trinta e cinco anos. Porém dois elementos parecem-me basilares a quaisquer processos educacionais: o espaço e o silêncio.

E se, para ela, a educação começa no nascimento e cobre toda a vida do ser humano, gostaria de partilhar, assim, estas breves considerações com os educadores ( pais e mestres ), co-autores e atores coadjuvantes. O outro autor, o protagonista, é o próprio indivíduo inserido no processo educacional.

Espaço e silêncio para o vôo da liberdade, da descoberta de si e do mundo, na disciplina para a atividade, para o trabalho, para a mobilidade útil.

O espaço preparado, solar, arejado, com flores e plantas, em ordem, para as práticas pedagógicas, no silêncio: reflexivas, construtoras do sujeito e do mundo. “Só o silêncio é criador”, sentenciava a educadora italiana. Esta e outras direções metodológicas de Montessori a aproximam de Thomas Merton, um dos pensadores recomendados por Alceu Amoroso Lima, ainda, nos anos 80, para segurar a barra da passagem do milênio, encruzilhada de mudanças de valores.

Em pleno século XXI, assistimos ao sólido fenômeno da explosão demográfica crescente e às suas implicações trágicas, ao compartilhamento mental e social de um espaço, cada vez mais restrito, e à cultura do barulho, da amplificação e da poluição sonora, do grito, tão bem representado, enquanto metáfora do homem contemporâneo, por Munch, na famosa tela “O Grito”.

Situando os lugares da educação, o lar e a escola, estes não passaram incólumes. Alguns exemplos. No lar, grita a cultura do volume alto para a trilha sonora cotidiana, quando um ditado certeiro adverte: “Quem fala alto não é ouvido.” O lar prefere a sonoridade do “bater a porta” ao silencioso e consciente ato de “fechar a porta”. Afinal, os oponentes são ”abrir”/”fechar”. Permitiu-se ao “bater” ocupar o lugar do “fechar”. Não se pode alterar a ordem do mundo. Do caos de uma sala de aula à sonorização dos eventos escolares, instaura-se uma campanha acirrada contra o silêncio. A escola se promove de “templo” a “baile do saber”. Até as bibliotecas públicas, nos anos 90, reverberaram esse espírito de época, como política cultural: “Biblioteca não é hospital. Gritemos!”

Dª Isaura Ferreira, inesquecível professora de História, lecionava, no Ginásio São Geraldo, e vivia a sua vida, em surdina, por respeito ao outro, o que era a própria percepção do silêncio. A disciplina espontânea das aulas independia da sua presença. Ela lecionara no Grupo Escolar P.e Matias Lobato, dirigida pela educadora Maria de Lourdes Teixeira ( segundo documento de Pedro X. Gontijo, no Museu Histórico Municipal, a introdutora da nova escola, em Divinópolis ).

As orquestras dos bailes do carnaval antigo eram acústicas, o que propiciava ao folião cantar, brincar, mas também ouvir o outro. Hoje... Tudo é música, todos são músicos, desde que mantenham volumes insuportáveis ao ouvido humano, que permitam ao folião apenas a expressão corporal embriagada, anestesiada, massificada.

Convém aos educadores - pais e mestres - para que convenha aos filhos e alunos, todos perdidos, nadando de braçadas, a perder o fôlego, neste tormentoso mar de situações-problema, ouvir o ditado acima referido e falar baixo. Reduzir o volume da produção sonora doméstica e escolar. Para que flua o diálogo, ”o calmo pensar”, como queria Gandhi, e o entendimento de si e do mundo, à luz do silêncio. Para o indivíduo perceber que transita por espaços educacionais. E que os preparadores e facilitadores do processo esperam que ele tome as rédeas, galope vida afora, obrigando-a às respostas desejadas. Enquanto pais e mestres se apagam ( e que tenham acertado, porque no processo da educação errar é prerrogativa dos educadores ), deixando o palco iluminado para mais um novo homem.

*Osvaldo André de Mello nasceu em Divinópolis, estudou Artes Cênicas no Teatro Universitário em Belo Horizonte e voltou para Divinópolis, onde se formou em Letras. Sua primeira publicação foi aos dezenove anos, com A Palavra Inicial (1969), e o poeta publicou ainda Revelação do Acontecimento, Cantos para Flauta e Pássaro, Meditação da Carne, e A Poesia Mineira no Século XX, entre outros. No teatro, dirigiu peças de grandes autores, como T. S. Eliot, Nelson Rodrigues e Emily Dickinson. É responsável pela montagem e direção dos espetáculos APARECIDA NOGUEIRA IN CONCERT e ENSINA-SE A VIVER.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 27/08/2009
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