DEVOLVA-ME

Vocês devem ter lido uma crônica do Luís Fernando Veríssimo sobre um escritor abilolado, que entra em crise e resolve recolher todos os exemplares do livro que escreveu, inclusive assassinando aqueles compradores que não queriam devolver. Não lembro precisamente da história, mas é engraçada e mostra esse lado meio descompensado do escritor, que renega a obra e não quer deixar vestígios do desatino ou da infelicidade que um dia cometeu. Ou também por não mais desejar andar nu por aí, sujeito à devassa de qualquer um. É claro que isto é caso apenas pra quem não faz produção em massa, imaginem o Paulo Coelho nesta missão.

Pois bem, lembrei do texto porque, há algum um tempo, comprei pela internet um dos raros exemplares perdidos por aí do meu primeiro livro de crônicas, de

1998, “Brumas de Xangri-lá”, solitário e deprimido numa estante qualquer de livraria.

Na verdade, acho que o livro é bem razoável e conta histórias pessoais interessantes; não consigo imaginá-lo rejeitado e mofando numa prateleira de sebo, ao apetite voraz das traças. Este exemplar, para minha surpresa e decepção com a espécie humana, chegou-me devidamente autografado pelo autor, isto é, por mim mesmo, sinal inequívoco de dupla rejeição. Acho uma barbaridade vender de balaio, a preço de banana, um livro escrito com tanta empolgação, ainda mais autografado. Creio que uma dileta amiga faleceu e o parente ingrato resolveu livrar-se da tralha, inclusive uma parte de mim, que seguiu de roldão no espólio liquidado. Deve ter vendido a metro ou por quilo, por trocados.

Poderia ter sido tomado pelo espírito assassino do personagem do Veríssimo, neste caso, convenhamos, com toda razão, mas banquei o filósofo e assimilei a horrenda desfeita. Também através do Google, descobri num certo sebo que o livreto intitulado “Poesias”, de 1981, edição particular, portanto, sem editora e sem valor comercial, também se encontrava à venda por uma pechincha. Neste caso, só pode tratar-se de brutal desinteresse de antiga amiga, a quem, possivelmente, dediquei-o com a mais cálida das intenções. Bola fora.

É claro que irei comprá-lo e também é claro que dessa eventual amizade nada restou: crueldades do tempo. Sei que isto acontece com todos os livros e autores, mas confesso que não é bom, é brochante. Entendo bem, portanto, o personagem da ficção do Veríssimo: melhor eliminar o proprietário insensível e relapso do que se ver, mais tarde, lançado como refugo em feira de arrabalde ou num brechó literário. Se não gostarem de meu texto ou se ele estiver vencido, aceito devolução e assinalo: pago o preço de custo com correção monetária. E ainda dou um abraço. Agora, escrever livro é tarefa pra gigante. No início, até pode parecer estimulante e fácil, mas, depois, é como bebedeira, um trago após outro para rebater a ressaca, só contabilizando as festas, nunca os tombos que o borracho leva.