AS QUITANDAS DO OESTE

Osvaldo André de Mello

Quando fui visitar Walmor Chagas, com Júlio Mackenzie, nas alturas de Guaratinguetá, na sua inacessível fazenda, onde construiu um hotel jamais inaugurado, levei de presente para impressioná-lo, com a culinária típica, quitandas de Carmo do Cajuru. A quitandeira Ci, a melhor do mundo, fez broinha de fubá, biscoito de queijo, quebra-quebra, cinco pratos e escaldado. Uma caixa imensa de delícias que deu tanto trabalho na viagem de ônibus e, finalmente, de táxi, serra acima.

O lendário ator perguntou: “Quitandas? O que é isto? Até agora, para mim, quitanda era estabelecimento comercial.” Júlio explicou: “São biscoitos típicos da culinária mineira.” Ele encerrou a conversa: “Ah.” Que eu visse não provou de nada. Distribuiu entre os empregados, que os adoraram, para não perder. Walmor Chagas não faria o mesmo com os adoráveis chocolates suíços, os quais, vim a descobrir, depois, teriam sido o presente certo. Em resumo: Dito por não dito. O ator não aprecia as quitandas mineiras. Mas, ao que consta, é o único.

Sobre o assunto, duas declarações me chamaram a atenção. A de Clio Ferraz, que ressalta muito a importância política de uma cidade ter a sua culinária própria, que seja uma goiabada cascão, para projetar a identidade cultural, merecer atenção, e, até, verbas. E a de Nádia Souki, que, embora em Belo Horizonte, desde os anos 50, é a mais divinopolitana de nós todos, a que mais ama, acompanha a cidade. Observa que, além da produção doméstica, Divinópolis sempre teve nas padarias uma vitrine de quitandas não vistas em outras cidades. É o caso da “brevidade” e do “forrobodó” ou “forró”, este, um pão doce enrolado circularmente, que você ia desenrolando, ao comer. Andam sumidas essas variedades. A “marta rocha” ainda existe, recheada de creme de confeiteiro, doce de leite, chocolate... E a broa de fubá.

Hoje, as vitrines são invadidas por uma infinidade de roscas, bolos, biscoitos, que, às vezes, saem de linha, como o delicioso bolo inglês da “Pão de Mel”, recheado de frutas cristalizadas com cobertura de um dedo de chocolate. Agora, por lá, apareceu a saborosa rosca chilena. Permanecerá?

Guaraci Gomes era proprietário da antiga “Rosicler”, na Minas Gerais, esquina com Independência, perdão, Antônio Olímpio, que fazia o melhor “forró” e a melhor “marta rocha” da freguesia. A filha dele, Lúcia, na nova Padaria “Rosicler”, no Esplanada, exibe uma coleção de antiguidades, principalmente, de doces. O famoso homem de imprensa Garcia Júnior é cliente assíduo, um “sócio” da nova “Rosicler”, onde havia uma receita de pão francês inigualável. Perdeu-se, com a saída do padeiro que detinha o segredo. Isto também acontece. Padarias, restaurantes e congêneres perdem o padrão de qualidade, com a perda de padeiros, cozinheiros...

Há padarias que reeditam biscoitos antigos e prestam, assim, um serviço à cultura. A do ABC 1º de Junho reeditou, com outro nome, o biscoito “jacaré”, enrolado no polvilho. A “Trigo da Terra”, dois ícones da culinária regional: o “pau-a-pique” e o “loró”.

O pão de queijo e, hoje, o “meia-lua” permanecem nas paradas de sucesso das vitrines. Imbatíveis. Pelo ex-ministro de cultura José Aparecido de Oliveira o pão de queijo foi elevado a símbolo de Minas Gerais. Destaque: o biscoito de amendoim, tradicional de Ermida, que aparece agora no frio e é o rei dos festejos de Santo Antônio.

Abram os olhos e bom apetite! Com um cafezinho quente e este frio, aí estão as quitandas de Minas, entre as artes da hospitalidade.

Publ. JORNAL AGORA de Divinópolis - p. 2 25/06/2009

*Osvaldo André de Mello nasceu em Divinópolis, estudou Artes Cênicas no Teatro Universitário em Belo Horizonte e voltou para Divinópolis, onde se formou em Letras. Sua primeira publicação foi aos dezenove anos, com A Palavra Inicial (1969), e o poeta publicou ainda Revelação do Acontecimento, Cantos para Flauta e Pássaro, Meditação da Carne, e A Poesia Mineira no Século XX, entre outros. No teatro, dirigiu peças de grandes autores, como T. S. Eliot, Nelson Rodrigues e Emily Dickinson. É responsável pela montagem e direção do espetáculo APARECIDA NOGUEIRA IN CONCERT.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 19/08/2009
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