A ASMA, A RAIVA E A GRIPE
Qualquer doença é ruim e o papo é sobre desarranjos biológicos leves: invejo os recursos dos modernos, que não precisam submeter-se a tratamentos que a gente passava há mais de cinqüenta anos. Tive todas as doenças comuns do meu tempo. Meu maior problema é que era alérgico e asmático: a asma pode ter advindo de um parto de cinco horas, enforcado pelo cordão. Doses cavalares de cortisona, soro antiasmático injetável – que me fazia levitar -, bombinhas de diferentes modelos e marcas, tudo como mandava o figurino. Minha avó me fazia fumar um negócio que abriria os pulmões, mas o papel do cigarro, estilo palheiro, me queimava por dentro. Tomava religiosamente seus remédios homeopáticos ineficazes. Bem, só consegui aprender a fumar de verdade lá pelos quinze ou dezesseis anos para me ajustar aos padrões e ganhar as "minas". Quanto aos resfriados, retirei as amígdalas e adenoides aos sete anos, naquele estilo década de 50, o que aliviou um pouco os febrões de 40 graus ou mais, temperados com delírios.
Passar Vick Vaporub no peito na hora de dormir era de lei, ainda que não fosse tão desagradável quanto tomar Emulsão de Scott antes das refeições para o fortalecimento. Fui objeto das simpatias correntes, como cuspir na boca de sapo em noite de lua cheia, e também sofri tratamentos não-ortodoxos de arrepiar, como colocar debaixo da pele da barriga, mediante cirurgia médica, enxerto de placenta cuja cicatriz ostento até hoje como lembrança de uma gerra não vencida. Massagens agressivas, beliscões pelo corpo, passes em centro espírita, tudo em vão. Estou a lembrar estas provações a propósito de recente reportagem televisiva que condenava banhos de luz, porque provocariam câncer de pele. Sou, então, sobrevivente, pois passei muito tempo, quando guri, fazendo sessões de banhos de ultravioleta e infravermelho. Era o que se prescrevia, sem choro e nem vela. Creio que só me cozinhavam ao ponto. Mas, nos longos meses de praia, não recordo de jamais ter usado protetor solar, depois, era Caladryl ou qualquer outro hidratante nas queimaduras fortes dos primeiros dias. O mar ainda era cheio de mães d'água, siris, estrelas do mar e caramujos, sem falar na pesca farta para quem era do ramo. Só o que aumentou foi o número de sereias. Hoje, elas abundam.
Quem vivia no interior enfrentava contratempos adicionais. Como estou a escrever sobre suplícios médicos, tenho de contar que já me submeti a duas séries de 21 injeções subcutâneas anti-rábicas, pela má sorte de, em diferentes fases, lidar com cães que morreram de raiva. De raiva, quase morri mesmo, porque as injeções, sob a pele das coxas ou da barriga, doíam demais, penosas lembranças. Não sei se o tratamento mudou, mas, pelo sim, pelo não, sempre fico de olho em agosto, mês do cachorro louco, embora nem cachorro louco exista mais em nossos dias. Disso, então, eu me livrei, mas a asma é companheira, sorrateira, camaleônica, oportunista. Não me esmero em tratá-la: ela é fugaz. Fugaz, mas apegada, mais cedo ou mais tarde retorna, chiando. Não importa, continuo na ativa, suportando o aumento da temperatura do planeta, sempre na expectativa de que venha o frio seco e que se danem a gripe, a bronquite e os incômodos da coluna vertebral. Ar-condicionado sempre, a rinite ou eventual sinusite a gente contorna. Por sorte, nunca, em toda vida, senti dor de cabeça, nem sei como seja. O pior é a herança genética que se deixa a filhos e netos. Enfim, a "melhor idade" é ótima, pois a gente encara adversidades filosoficamente. Até se pode escrever uma crônica.