São Francisco apedrejado em Curitiba
Lembro bem daquele sábado, embarquei no alimentador São Francisco de Assis. Aliás, um belíssimo nome, o jovem Francisco queria mesmo era percorrer as cidades, rompeu com as regras que a Cúria lhe impunha, votos de isolamento, reclusão. Foi em pleno centro de Assis que se despojou de suas roupas, afirmando com tal ato um desprendimento espiritual, uma vontade de vida realmente pobre, abdicou de tudo com o intuito de ser conhecido e conhecer os indigentes que peregrinavam pelo território cidadesco.
Pois bem , quando chegava ao terminal da Vila Hauer, uma estranha movimentação, pessoas correndo, uma senhora sendo carregada, e assim que São Francisco adentrou ao local de desembarque, foi apedrejado, rapidamente abaixei-me, afinal uma pedrada pode matar alguém. Apedrejaram São Francisco de Assis.
Desembarcamos todos tomados por um medo tão singular que se reflete em eventos desta natureza, e ali na plataforma, um jovem apenas de cuecas, chorava e agitava os braços, de repente um bando de bárbaros no sentido real da palavra, corria, a polícia estava chegando.
Desci as escadas e senti uma sensação estranha, como se fizesse parte de um filme de ação, andava me esquivando para do outro lado embaraçar no ônibus que me levaria até meu destino, o terminal do Boqueirão, esta era a missão que no momento parecia-me impossível.
Todos comentavam entre si, então fiquei sabendo, contaram que uma legião de torcedores do Atlético havia invadido um alimentador onde estavam alguns torcedores do Paraná Clube, ao que parece até jogaram uma bomba caseira, o rapaz que vi não teve a mesma sorte dos amigos, foi pego, apanhou e o deixaram sem roupas, principio de noite fria em Curitiba, o jovem não se despojou por livre e espontânea vontade de suas vestes assim como fez São Francisco de Assis , o jovem em questão foi ultrajado em seus direitos básicos de cidadão que possui ao menos em lei preservados em um pedaço de papel. Como é mesmo o nome? A sim Declaração Universal dos Direitos Humanos, e viva a Revolução Francesa!
Mas deixando de lado esta quimera de direitos, vamos mergulhar na realidade.
Cenas de caos total e absoluto, ao meu lado uma senhora proferia comentários acompanhados de um forte odor de cachaça, eu assentia com a cabeça, afinal apesar de estar mais pra lá do que pra cá, ela sabia o que dizia, referia-se aos jovens que causaram toda confusão como ignorantes, não animais, pois animais são nobres e seria um insulto comparar os baderneiros a animais.
Meu ônibus chegou, entrei e durante o trajeto pensava mais uma vez em São Francisco de Assis, talvez o Santo não se escandalizasse visto que lá pelos idos do século XII violência também havia, a gênese da mesma acompanha a história dos homens desde sempre, mas isto não significa que devemos nos acostumar com ela.
Finalmente cheguei ao meu destino, Terminal do Boqueirão, ali também havia resquícios de confusão, o saldo com certeza negativo, patrimônio público destruído, prejuízos materiais, físicos e morais, somos todos vítimas da insanidade daqueles que depositam todas as suas expectativas e frustrações em resultados de um jogo de futebol.
Todos vivem como que camuflados em si mesmos, isolamento, superficialidade de relações forjam os dias atuais, dias nebulosos onde São Francisco é barbaramente apedrejado em um terminal da cidade de Curitiba!