JOÃO-DE-BARRO
Não consigo acordar tarde, nem em fins de semana.
Domingo, o mundo inteiro dorme, menos eu o padre Slawomir e as carolas que vão pra missa cedinho, confessar seus sonhos libidinosos.
Me sento em um banco daqueles de ferro fundido, parecendo com folhas de samambaia e fico admirando um casal de João-de-Barro.
Enquanto ele pena pra achar um barro macio no seco cerrado desta época do ano, ela fica na porta da residência só dando ordens.
Qual é mesmo o feminino de João-de-Barro ? Acho que é Joana-de-Barro. Minha professora de português diria, com toda suavidade: larga de ser estúpido moleque, é “A” João-de-Barro. Aí pergunto, e cão-São-Bernardo, seria cadela-Santa-Bernardete? Felizmente prá mim, nos tempos modernos, não se usa mais colocar os alunos ajoelhados sobre grãos de milho e a palmatória também foi abolida há muito tempo. Ela então se contenta com impropérios.
Voltando ao João, ele é o único pássaro que constrói residência de alvenaria. A casa é uma perfeição. Diz a lenda, que corre por estas paragens, que o João, ao se sentir traído por algum Ricardão-de-Barro, fecha a porta da casa com a fêmea dentro, matando por asfixiada a infiel e os bastardinhos.
Notei, e acho que o João não, que a previdente Joana deixou uma janelinha do outro lado da casa para usar em caso de emergência. Fêmea danada essa, evidentemente com segundas intenções.
Descobri logo em seguida.
Em outra árvore, solitário, um Campephilus melanoleucos, emitia sonoras cantadas, quando o João se afastava na árdua lida de conseguir matéria prima para a construção.
Safadinha essa Joana, decerto assanhada com o sugestivo nome popular do galã: Pica-pau-da-cabeça-vermelha.