Palco
Respirei frio, suspirei quente, transformei o ar a minha volta. Lembranças quentes aquecem meus dias frios e monótonos, viro de lado na cama, viro o copo e viro o bicho, segura-me que possuído troco tudo de lugar, misturo as cores e deixo o fogo dourar minha noite ainda que tardiamente. Meus olhos pegam fogo e minha poesia exala deixando o odor e ardor da fúria alucinante que cega o homem consciente e leva a insanidade qualquer mente sã. Digo tudo a ninguém, minha plateia no fundo de meu copo aplaude o show, o espetáculo segue afinal tem de continuar, custo o que custar. Turvo é o caminho, embaraço meus passos, embaralho minha palavras e as aposto em qualquer mesa de azar, trago o baralho completo em minhas frases, caso não saiba o que dizer tenho curingas em minhas mangas, ludibrio o encanto, brinco com letras e intenções, perco o jogo e saio na calada recolhendo meu baralho aos bolsos. Busco nas imagens turvas de meu foco algo que acalante meu querer, um amor talvez, outra mesa ou alguém a quem distrair, o frio me pega e nesta altura da noite a ressaca me abala e nada mais aquece, a dose agora é para abater, quero os olhos fechados e as lembranças apagadas, sem motivo ou argumento, fechem as cortinas, caso necessário devolvam os ingressos pagos e encerrem a temporada, dei meu todo neste palco esta noite, meus olhos encerram lentamente as chamas, em brasas como fogueira em final de São João, a poesia na pele se extingue a medida que o suor seca no relento, o frio agora em sua ambiguidade, queima mais do que nunca, tento respirar o que resta do quente que baforei aos quatro cantos, me vem o frio, não há calor que me faça neste momento suspirar morno que seja, as coisas vão tomando seu lugar, vejo com nitidez que toda minha insanidade era real, nada muda, apenas durmo agora enquanto o mundo acorda, em regra, sempre estou acordado quando o inverso é a ordem, em corpo e alma, não me importo, foi só mais uma noite, mais um show, um outro palco me aguarda.