Do Fim dos Princípios

(15.07.2008)

“...E os oprimidos não são melhores do que os opressores: assim que o libertam,

o escravo Prudêncio, que o menino Brás maltratava, chicoteia sem piedade o seu próprio servo

; os criados de Virgília se desforram espionando-lhe o adultério”

(José Guilherme Merquior)

Recentemente, Márcia – uma amiga do Rio – me emprestou Memórias Póstumas de Brás Cubas; de Machado de Assis. Também, comentou uma frase dele que achei muito interessante

Porém, não a citarei. Apenas a usarei como inspiração para o meu tema

Todos sabemos que a coexistência humana é repleta de falsidade. Uns sorriem à sua frente e apunhala-o pelas costas; outros, permanecem ao seu lado por interesse e, ao seu menor tropeço, afastam-se ou usam-no contra você; e ainda há aqueles que se esforçam a dizer que são seus amigos: “falam demais sem não ter nada a dizer” – verdadeiramente, amizade é algo que se sente, não se diz; se percebe, sem pedir; se entende, sem exigir

E desta forma, perante tais falsários da vida, temos que seguir, constantemente, como é a natureza dos rios. Temos que ser pacientes – ainda que caminhando – como é a natureza das árvores ao aceitarem sua seiva

Existem aqueles que até Deus tentam enganar; negociando um lugar ao céu, com boas ações agendadas periodicamente, metodicamente, sem compromisso com o sentimento. Por simples interesse post-mortem: “já fiz a minha boa ação do dia”, dizem os hipócritas

Infelizmente, é assim. E assim demonstra Assis. E assim, demonstra Nelson Rodrigues; como outros artistas, também

Aliás, sempre me chamou à atenção a vocação do artista para o desassossego; e esta ansiedade, muitas vezes, se condensa na destilaria ou em outros “afogamentos”, em face à aridez da pobreza de espírito da fofoca – o câncer da comunidade

Jazzistas gostavam de heroína. Já os poetas, de um porre. Muitos declamam e elogiam Fernando Pessoa, sem saberem que ele bebia todos os dias, o dia todo. É a vantagem da ignorância – por isto os ignorantes fofocam: não sabem o que dizem

Surge, assim, a partir da fantasia coletiva, uma grande ilusão sobre a opressão dos ricos contra os pobres oprimidos. Sobre a revolta de classes, suprimidas por outras classes mais favorecidas: o errado sempre do lado errado

O fato é que opressão vem do homem. Não de classe social. Historicamente, em todas as revoluções, os antes pobres oprimidos se transformaram em opressores: Revolução Francesa, Russa (ou Comunista), Maoísta, etc.

É o que realmente acontece: a falsidade na pregação ideológica repetindo a falsidade na pregação da amizade, do convívio. O interesse por trás dos atos, dos sorrisos, dos discursos, estendendo-se das festas às guerras. Em amizades e conchavos. Interesseiras, interessadas. Até na esquina

A comunidade “Como Ela é”

Não! Não se resume a uma vila; não se consome somente entre suas bordas. Estende-se pelo mundo. Em território e em ideologia. O mundo, exatamente, como espelho da pequena cidade, no Universo Cósmico

Segundo Nelson Rodrigues, “A Humanidade não deu certo”

Sobra falsidade. Falta dignidade – coisa rara, que termina em seus princípios

Num planeta que se esvai sem princípios ao fim