A “VITÓRIA” DE AYRTON SENNA
(01.03.2009)
"Veni, Vidi, Vici (Vim, vi, venci.)"
(Julio César)
1 Desconheço qualquer frase marcante, de Ayrton Senna. Em compensação, não presenciei as vitórias de Julio César. Uno aqui, assim, dois vencedores atípicos; atemporais, apesar dos temporais. Aliás, já que estamos à têmpora do latim, “uno” nos é muito apropriada: “um”; “único”; “unir”; “unido”. Daí, uno unos vitoriosos. Porém, ainda que única, quem nos vence à vitória? Sucesso! Bem, o sucesso de outrem não se assemelha ao de alguém. Concorda, ou sem corda?
2 Duvido. A dúvida persiste no questionamento. E, enquanto pensamos, nos jogamos aos nossos pequenos problemas – antes que eles se tornem grandes; antes que comece! Sucesso? Algo muito particular. Por vezes, conquistar a pessoa mais bonita da rua; por vezes, marcar um gol no Maracanã; ou, talvez, morar no lugar dos seus sonhos; na maior parte das ocasiões, nunca se satisfazer – ou nunca desistir.
3 Certa vez, ouvi um amigo dizer: “já é difícil ser o melhor da rua. O melhor do bairro, então, nem se fala. Imagina alguém que chega a ser o melhor do mundo?” Referências. A medida de cada sucesso individual é a referência. No palco, na peça, a cena a qual nos devotamos.
4 Senna morreu. E daí? Morrer todos morremos. Fazer diferença, vencer, apenas alguns o conseguem. E, se de fato vivemos somente mínimos milésimos de segundos – sendo o resto apenas lembranças e expectativas – qual seria a diferença de se viver trinta e três anos e ser lembrado por milênios, ou perdurar até que a Terra dê noventa voltas em torno do sol, banguela e sem memória? Não sei. "Cada qual é artífice da própria fortuna." Fortuna que carrega; Fortuna que o carrega; Fortuna, Deusa que até hoje habita e instiga o inconsciente humano.
5 E quem (ou de quem) é Fortuna, a Deusa da sorte? Como diria Nelson Motta, “quanto mais trabalho, mais sorte eu tenho”. Sendo assim, seria Fortuna a Deusa do trabalho; ou seria trabalho aquele que “transporta César e sua Fortuna”?
6 Um mundo certo, certo? Nada mais tem do que incerto: insegurança é a mola mestra da obsessão pela segurança. E, afinal, segurar o quê? O corrimão escada abaixo. Ah, bobagem! Dizer que sou pessimista é esconder a cara na privada. Seja como for; como seja, como será. Será?
7 Eis que a vitória pertence aos desobedientes. César cruzou o Rubicone; Senna ultrapassou Prost na primeira (e proibida, num acordo com Ron Dennis) volta; Garrincha tinha pernas tortas; Wolfgang Amadeus balançava o “coreto”. Barrichelo... bem... Barrichelo obedecia.
8 Claro que a desobediência obedece o contexto. Não significa dizer “não” simplesmente pelo “não”. Existe toda uma estrutura racional/emocional obediente à desobediência. Não fosse assim, a razão, a ação, a intenção se perderia (e, aqui, desobedeço a arcaica e cafona regra gramatical da mesóclise). Existe, portanto, o momento certo a ser desobedecido: aquele que antecede a vitória.
9 Não sou contra a obediência. Só que, no entanto, não se pode obedecer cegamente. Do contrário, estaremos eternamente fadados às escalas negativas da História. As das religiões, política, raças e preconceitos devastadores da vida. Como na Itália; Alemanha, Rússia e Chile, e tantos outros regimes que tinham na obediência o sucesso garantido, fiel, cego – e, consequentemente, trágico para o planeta e o ser humano. A injustiça por meio da Lei.
10 Eis o que quero dizer: como animais pensantes, nos desenvolvemos questionadores, justamente para enfrentar o conceito desordenado de ordem que se instala na sala de estar. Só, só e somente só, conveniente àqueles que nos mantém trancados nas celas, atrelados às rédeas de seus interesses. A César o que é de César? "Não há glória maior do que perdoar a quem me atacou, e premiar a quem me serviu." Assim se faz, aqui se paga.
11 Respeitar, acima de tudo! Porém, tal postura se torna tão arduamente difícil que, quando atingida, realiza-se uma grande vitória. Para estas curvas da vida precisa-se de uma coragem cênica. E “o que a vida exige da gente é coragem”, diria André Comte-Sponville. Coragem de respeitar, de se colocar no lugar do outro; em lugar de se aproveitar de suas desvantagens. Coragem de enfrentar uma situação indigna.
Infelizmente, na hora do ‘vamos ver’ “é mais fácil um camelo – pilotado por Senna? – passar pelo buraco de uma agulha”.