DO BENEFÍCIO

(20.05.2001)

“A vida é mais que um vício delicado

A vida é bem difícil

Diante desse abismo

Um benefício”

(Benefício, de Zé Renato e Hamilton Vaz Pereira)

Num certo dia bonito, à beira de um precipício... Foi assim que cheguei a Visconde de Mauá, no estado do Rio, em Abril de 2001.

Em toda a região, permanece a essência natural de pássaro-árvore, peixe-rio; e o clima de montanha da estrutura local que tanto lhe deu fama.

Ali, ‘Num certo dia banal’, dei de cara com o trabalho instrumental “Visconde de Mauá”, de Marcos Ariel. Isto me trouxe à lembrança a Banda Zil – projeto e álbum único de Zé Renato, Cláudio Nucci, Ricardo Silveira, Nico Assunção e do próprio Marcos Ariel, jazzistas fantásticos e esquecidos pelo amargor do tempo e da mídia comercial.

Banda Zil não foi só um trabalho. Foi, sobretudo, um movimento do jazz brasileiro. Onde não podem ser esquecidos Toninho Horta, Léo Gandelman, Mario Neto, e muitos outros.

Eu tenho o dom de voltar, o vídeo de volta ao início. O dom de agradar. Não sou difícil; um benefício

No entanto, a grande surpresa musical ainda estaria por vir: vindo de uma caminhada, li num letreiro: Cláudio Nucci – hoje, às 23:00h. Caramba! Será que estarão todos aqui?!.

Muitos não entendem. Porém, essa musicalidade era nossa linguagem, nossas vozes, nossas palavras. Nosso sábado, nosso domingo e, também, nossa segunda-feira.

Portanto, Diante desse abismo (...) esqueço as marcas dos passaportes (...) volto o vídeo ao início, trazendo de volta os Baixos; do Leblon, da Gávea e do ‘irado’ Nico Assunção

Enfim, chego ao show. Nucci entra e começa a tocar seus clássicos. Em seguida, convida um “ás” da clarineta e do chorinho dos sábados de Laranjeiras, Marcelo Bernardes.

Foi então que, já no bis, empolgado com a maravilha daqueles dois, alguém mandou a seguinte pérola: “Aí, Cláudio! Faz um duelo com ele!”

Seu comentário não resistiu à picardia do Boca Livre: “Cara, nossos instrumentos são muito delicados para isso”. O ambiente ‘veio abaixo’! No clima descontraído, aproveitei para tomar coragem e mandei: “Toca Benefício!”.

‘Grande pedida! Benefício, de Zé Renato!’ Daí, começou a tocar.

Era tudo o que queria ouvir...

* * *

Maringá estava às escuras, quando saí. Acabara a energia. Na verdade, a estrutura do município já não dava vazão ao seu crescimento.

Tarde da noite, ninguém na rua. Somente eu, grilos cantantes, sapos seresteiros e o som das copas ao vento, com cheiro de verde.

Como escapar de refletir sobre o cosmos e sua infinidade; sua riqueza de possibilidades?

Olhando o céu, pisando o chão...

A vida é mais que um vício delicado. A vida é bem difícil.

Mas, é a vida. Um benefício.