A “ODISSÉIA” DE STANLEY KUBRICK

30.01.2009

"Você pode viver até os cem anos se abandonar todas as coisas que fazem com que você queira viver até os cem anos."

(Woody Allen)

“Difere de espectador para espectador. Ou seja, pode ser qualquer coisa que ele veja”

(Stanley Kubrick)

1 Costumo dizer que sou do tempo em que o ano 2000 era futuro. Grande coisa. Milhares, milhões, bilhões estão na mesma condição. Porém, de repente, caiu-me esta ficha: sou do tempo em que o ano dois mil era futuro. Sim, porque, depois de tantas expectativas, esquecemo-lo como se estivéssemos acabado de sair do cinema e ido comer uma pizza no Centrinho da Lagoa. Ainda que o futuro realmente se faça presente.

2 E presente está no dedilhar do laptop com conexão wi-fi, sincronizando o I-Pod enquanto o celular toca. Toca e vibra (certa vez, uma amiga disse-me ficar excitada quando o celular vibra no bolso de sua calça). “Quem há décadas atrás imaginaria refeições pré-fabricadas que seriam aquecidas em minutos? Tais coisas seriam consideradas ficção científica. No entanto, é o nosso cotidiano”, conclui Jamie Oliver.

3 Meu celular tocou, e era o Jaime (não confundir com Jamie) ligando para saber se eu estava bem, pois fazia duas semanas que não escrevia. Realmente, estive meio abestalhado, estes dias. Na verdade, lia e ria sozinho das crônicas de Nelson Rodrigues. Espetacular. Atuais. Dá tristeza de perceber que ele já disse tudo, e ninguém entendeu nada. A questão é: quem quer entender alguma coisa?

4 Deixo que os ventos mudem meus caminhos: estou a usar o computador, para escrever estas linhas, com diversos recursos que facilitam a vida de um escritor de vagas horas: todas as formas de correções, inclusive gramaticais, são tão práticas que já houve momentos em que me sentia envergonhado de escrever. Sem contar a difusão pela internet, que permite que meus textos tenham agilidade de divulgação.

5 E o que tudo isso tem a ver com o que estou falando? Tem a ver com o Stanley Kubrick e o meu sobrinho. Eu o via pela webcam da minha irmã. E sempre que ela ligava e eu falava com eles, lembrava daquela cena em “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, em que um astronauta celebra seu aniversário com a família, por um monitor. Naquela época, ficção científica. Hoje em dia, corriqueiro. Normal. Banal. Futuro presente, tornando-se passado.

6 Como o vocabulário. Ora, uso aqui termos que há menos de quinze anos não existiam no nosso linguajar. E, agora, todos entendem. A internet invadiu idiomas com tanta pungência que nem mesmo os franceses, com toda a sua xenofobia, seriam capazes de impedir. Aliás, em se falando de linguajar, a nossa língua mudou (Mudou por quê? Pra quê? Para se gastar mais papel e fabricar novos livros escolares?). Invenção de quem não tem o que fazer.

7 Enquanto falo de hi-tec - e hi-língua - sou atacado por mosquitos. Se há uma coisa difícil de lidar são os mosquitos. E eles não perdoam. Pensei em comprar um aparelho ultra modernozo, de ultra-som, para repeli-los. Mas, o Veras já me disse que não funciona. Putz!

8 Nada pode ser perfeito. Perfeição incomoda a nós, seres humanos, e ainda não houve tecnologia nem ciência que resolvesse esse enigma. Imperfeição, sim, estimula. Somos chamados para novos horizontes, para novos desafios, o tempo todo. É a característica do cérebro. Seu desejo último é descobrir a razão da vida. Mas, se é último (Pah! Mosquito) preocupa. Daí, inventamos um monte de coisas e saímos da rota de casa. Com isto, voltar torna-se um desafio. Então, voltamos. Para a natureza, para o oriente – que já estava lá há milênios – e criamos uma série de maneiras – comerciais, materiais – novas de lidar com o velho. Muito louco! O rabo abanando o cachorro.

9 Por fim, tudo torna-se excessivamente religioso. Música, por exemplo. Estava na academia e na tela de LCD vi um show que nem mesmo Kubrick seria capaz de imaginar. Um boboca cheio de equipamento ficava pulando e dançando e repetindo o mesmo som, enquanto milhares de outros bobocas faziam às vezes de estarem se divertindo, porque se convencionou que é daquela maneira que se diverte e ponto. Ninguém questiona.

10 Não sou contra a música eletrônica (Certa vez, perguntaram a uma cantora de jazz, que não me lembro o nome, o que ela achava de música eletrônica. Ela disse “aquela música que não se pode assobiar?”). Mas, show?! Daqui a pouco teremos um bando de abestalhados dançando para um robô “tocar” no palco. Ou pior, depois do show, levarem flores ao camarim. Show é apresentação, entretenimento: Amy Winehouse e Nação (Pah! Outro mosquito) Zumbi que o digam.

11 Perdemos o rumo. O sexo virou “pegação”; e é cada vez mais assunto popular do que o Chão de Giz, de Zé Ramalho. O que é a verdadeira liberdade, afinal? Perdido no espaço, Woody Allen responderia que “a realidade pode ser chata, mas é o único lugar onde se come um bom bife (de pts, para os vegetarianos)”.

12 Nisso tudo, nem chego à Ítaca, nem encontro Penélope. Charmosa tão menos. Tudo (Pah! Putz, outro!) depende de como vemos as coisas que vemos (neste momento, dois dando rasante). Fico vagando, no meio disso tudo, ao som do Danúbio Azul. Relativamente falando de espaço, cada um o percebe - ou voa - a sua maneira.

Ainda que seja (Pah!) virtual.