A ARMA DO CRIME
Quando somos bem pequenos, nossos pais nos ensinam em gestos que a vida é o que temos até ali e que no mundo o bicho papão mete medo em criança que resiste às recomendações de casa. Aprendemos “até ali” para crescermos. E crescemos, crescemos não importa o quanto crescemos. Nossos pais, enquanto crescemos, são postos numa altura – pequenez até vermo-los embotados para atingirmos nossa força.
Pronto: estamos adultos. Eles não possuem mais aquele verniz. Podemos avançar mais que eles, temos amizades que não lhes cabem, temos idéias, inovações, somos fortes e decididos. Eles ficam para trás sempre que nossos anseios resultam de novas necessidades, consoante nossa época.
Nossos pais ficam em silêncio até quando reclamam. Eles começam a perceber que seus pequenos tomaram corpo e estão contentes assim. Por isso, fragilizam-se ou aceitam o novo jogo com certo orgulho de pais. Tudo faz parte de uma convivência que para eles é uma perda, mas não haveria perda maior se seus descendentes se lhes abandonassem por completo.
Até chegar o dia em que nossas novas idéias, nossos heróis, nosso tempo, nossa força, nossos grandes e impecáveis amigos seguem rumos outros e olhamos pros lados como um bebê que se aventura pela primeira vez sair sozinho do berço, e cai. Mas esta queda adulta se ausenta daqueles por quem, para admirá-los, deixamos nossos ascendentes apenas nos esperando.
E não é que eles sempre nos esperam! Estão ali com mãos potentes em coragem porque o peso agora da criança é maior. Esquecem-se da nossa indiferença, se é que um dia levaram em conta, da nossa vaidade e da nossa prepotência ante o que chamamos “autoafirmação”. Eles, ali, nos apanhando, só que agora mais enrugados, mais vencidos pelo tempo; aquele tempo em que nos ausentamos jovialmente. Nossos pais, porém, capazes de, se não nos suportarem, caírem conosco.
Até que num belo dia (e não reclamem aqui do lugar comum, pois a vantagem está mesmo em aprender com nossos genitores) eles partem para nunca mais nesta vida. E o que nos resta depois das visitas convencionais? Um mundo sem eles e tão incerto que só mesmo a lembrança a substituir a matéria nos resguarda da nossa própria desilusão.
A vida por instantes injusta, fria, cara demais e alheia. A cada caminho, a cada enfrentamento e desafeto as imagens daqueles que um dia nos ensinaram as primeiras e definitivas lições a seu modo, à maneira de quem, quando não possui instrução secular para ensinar, entrega a própria vida gratuitamente, como quem respira. Aqueles que nos ensinam que o que parece “démodé”, desconexo, fora de pretensão, como este texto quem sabe, nos reaparece desprendidamente na nossa triste condição humana de podermos sofrer.
O bicho papão - nossos pais nos esconderam isso para nos protegermos - é a vida quando do horizonte avistamos o mundo distante daquele fantasiado em casa quando se tem pai e mãe... O que temos “até ali” agora são retratos suspensos na parede velha sob a nova cal. Estamos prontos para sermos crianças. Já sabemos sofrer...
G. Monteiro