O CHUCHU ERA DE LEI

Muita coisa melhorou do meu tempo pra cá, isto é tão óbvio que a frase parece ingênua. Mas o progresso cobra um preço. Muitos jovens “transviados” de hoje - desajustados, rebeldes, infratores - têm contra si muito mais do que o fator econômico, um profundo desajuste decorrente basicamente de falta de família. Família não é só aconchego; família - sobretudo aquelas maiores - é também disciplina, organização e solidariedade. Sou do tempo em que a estrutura familiar tinha uma hierarquia clara, no topo da qual se impunha a figura austera do pai. Ao pai, a sociedade cobrava firmeza e sabedoria na condução familiar, inclusive dos agregados – um primo órfão, uma velha tia ou empregados. Mesmo aquele pai mais negligente tinha de prestar contas pela educação dos filhos frente a parentes e à comunidade. Filho desgarrado, pais incompetentes. A mãe era a Rainha do Lar, a que conduzia o dia a dia familiar, com ou sem ajudantes. Lembro de dogmas da educação antiga: “Criança não tem querer”, “Criança come o que for servido à mesa”, ” Criança não se mete em conversa de adulto”. Certos assuntos eram impróprios à discussão nas refeições. Em algumas situações, rezava-se antes de comer. O mundo adulto era distante e os maus exemplos, portanto, não chegavam tão facilmente ao universo dos menores.

Quem escolhia o cardápio das refeições era a mãe, segundo preferências do marido e os critérios da boa e econômica alimentação. Eu odiava chuchu e sofria, mas o chuchu era de lei, não sei o porquê, talvez pela abundância e baixo custo. Ensinava-se respeito à comida na mesa, respeito ao dinheiro que se tinha e às roupas adquiridas, que precisavam durar muito, sempre limpas.

Havia hora para dormir, para o banho, para os temas, para brincar, sair e voltar para casa. Dificilmente um adolescente deixava de participar de programa combinado pelos pais, mesmo que fosse uma visita às tias idosas. Não tinha a moleza de ficar sozinho em casa e convidar os amigos, para dizer o mínimo. A casa era território dos pais, com um só governo. Nas férias, a família, em bloco monolítico, fazia o mesmo programa e a vontade dos filhos não era decisiva para a escolha dos rumos.

Palavrão, pimenta na boca; desobediência “grave”, tunda de laço - valendo chinelo, vara, cinta ou rebenque. O instrumento variava conforme a importância do delito, só era vedado bater na cara.

Não havia pizza nem tevê e cinema era a matinê aos domingos, com filmes de bang-bang ou chanchadas da Atlântida; raramente se tomava Coca-Cola, Guaraná, Grapete, Crush, Laranjinha ou Soda Limonada. No máximo, uma essência de Framboesa com água gelada. Não faltava água filtrada na geladeira. Roupas de marca, nem pensar. Aliás, minha mãe comprou meu "enxoval" para o casamento na Subsistência do Exército, o que foi um presentão; obviamente, eu já me sustentava financeiramente há tempos. Beijinho quente nas gurias, então, só lá pelos quatorze, quinze anos, com sorte e muita arte. A gente era ensinado a respeitar as meninas, o que nunca impediu ninguém de "tirar suas casquinhas".

Vivia-se em uma espécie de "Estado Autoritário", no bom sentido. Não éramos "cidadãos", só projetos e promessas, debaixo de regras claras e imutáveis. Tudo acabou ficando mais agradável e descontraído com a evolução, é claro. A modernidade é voltada à conveniência e ao prazer, notadamente dos menores. Agora, se pensam que a gente sofria muito, tirem o cavalinho da chuva, pois havia a compensação de uma existência segura, estruturada e na qual se valorizavam as coisas verdadeiramente boas, positivas, além de assegurar geralmente um futuro promissor aos que tinham um mínimo de "cabeça".

O mundo melhorou, mas, excessos à parte, aquela antiga ideia de família faz muita falta, com sua rotina e disciplina. O chuchu continua dispensável, mas nunca será melhor do que uma sopinha caprichada em noite fria.

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 30/06/2009
Reeditado em 29/11/2019
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