Movimento das marés

O movimento das marés

Acontece. Acontece sempre, ou pelo menos quase sempre, e na maioria das vezes, na tarde de domingo, aquela velha e imensa sensação de vazio:

-Estou no buraco, sozinho, como um caranguejo. Sinto a sua ausência. Não a sua ausência, mas a ausência de uma paixão.

O que falar da ausencia da paixão,quando nos prostamos e ficamos inertes vendo a vida passar na frente do nosso rosto, resvalando a nossa pele com o fraco frescor de outono?

O outro sempre esteve errado, e por mais que o avisassemos estragou tudo, não é sempre assim?Olhe bem nos meus olhos e diga:

-Eu fiz tudo por ele.Vivemos a maravilhosa aventura do amor, aquela praia que nem era tão linda virou paraiso, aquele sexo,digo amor, que fizemos, assim meio broxado depois de tantas margueritas, foi estontanteante.

O que dizer dos dias quentes de paixão e sofrimento que vivemos, aqueles, sabe? Em que achavamos que iamos morrer.A fome imensa, e ao abrir a geladeira constatar que não tem nada que nos tire desta fome imensa.

A mesa que nos foi imposta e reposta hoje está abandonada no mar de migalhas de pão, nenhum pombo,nenhum pombinho, sómente insetos.

E o inverno vem bruscamente chegando com o seu manto de nuvens cinzas e escuridão, tenho medo, me de a mão, esta corrente de ar gélido ameaça a minha conduta moral, afastai as bruxas que insistem em dar võos razantes sobre a minha boina de feltro.

Acontece. Acontece raramente, ou quase nunca, e ainda mais improvavel, numa manhã de segunda feira, a nova sensação, o copo cheio de vinho:

-Sonhei com um lindo lugar, sozinho como um bebê.Vejo o movimento das marés, que vão e vem, imerso nas marés do liquido amniotico.

Falo o tempo todo de amor, assim eu o respiro, calmo sentindo todas as emoções, todos os sentidos, a sua mão acalentando nosso buracoventrelar.

Sempre tive a certeza, por mais que meu caminho desviasse, olhei para a frente e você estava lá:

-Somos iguais, partes divididas e divididas e divididas, mas não perdemos a nossa significancia, curtimos esta estapafante experiencia que é o viver e o não viver.

Para ser feliz, temos que estar triste um dia, para termos muita saúde, precisamos adoecer e gerar anticorpos, temos que ter o yin e o yang, temos que acostumar com o movimento das marés, o dia e a noite, o principio e o fim.

A vida que a nós é dada e remendada estará amanhã revivida em mais um nascimento severino, mostrando os sertões e os desacertos, o pífio e a empatia, nossas mãos passeando juntas, balançando felizes, entre as flores desta nova primavera.

Luiz Zanotti

Luiz Zanotti
Enviado por Luiz Zanotti em 12/06/2009
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