O jardim das palavras

O JARDIM DAS PALAVRAS

Caro síndico do Condomínio “Portal Iletrado”.

Solicito a imediata providência, por parte de V. Sa, no sentido de que uma vez por todas cessem os atos de vandalismo por parte dos moradores do condomínio, que vivem a jogar porcarias no meu jardim e desta forma prejudicam as minhas palavras.Vivemos numa comunidade, uma cidade considerada de primeiro mundo e que, portanto, a principio deveria respeitar os poemas e palavras.

Quero viver em harmonia, principalmente entre os meus vizinhos, que considero de altíssimo grau de civilidade, tanto que, semana passada, recebi uma cartinha, de um desses vizinhos, parceiro na caminhada da vida, doando palavras para o meu, para o nosso jardim. Na carta, o autor mencionava a maravilha de poder de manhã, ao se levantar poder ler lindas palavras em meio ao triste cinza da cidade.

Contamos com suas providências que de uma vez por todas inibam os fatos desagradáveis que vem ocorrendo e possamos comemorar o natal num clima de amor e fraternidade, com muitos versos e palavras de amor e amizade.

Um feliz Natal para todos, é o que deseja.

Charles

Assim foi a carta que eu mandei, após dezenas de vezes ter falado com o porteiro do prédio vizinho, a respeito dos filtros de ciganos, ou seja, bitucas, ossos de galinha e outros objetos lançados dos apartamentos do prédio vizinho em direção ao meu lar, doce etilicolar.

Lar este que era a portaria do estacionamento de um supermercado, e assim que fiquei desempregado e a minha ex—mulher me deixou, aluguei por alguns trocados.

Eis me então, vivendo onde era o estacionamento, agora desativado.

Num primeiro momento pintei as paredes de ocre e o teto de azul, na parede de fora um grande mural confeccionado num dos meus porres pirotécnicos, um espantalho cercado por punhados de sal jogado, procurando exorcizar os espíritos do mal.

No banheiro pintei uma obra de Leonardo da Vinci, ou como eu dizia os frescos da capela Si-intima.Era o milagre da criação, eu digo criação da minha cabeça, lançando a teoria que o homem nasceu de um pum.

Bom, os tempos vieram, e eu achei c devia colocar um pouco de verdecultura naquele projeto de etilicolar, chamei o Jacaré e quebramos um pedaço daquele piso bundaderrapante, louco para querer quebrar as nossas pernas, e lá comecei a implantar o jardim das palavras.

Qual não foi a minha surpresa quando depois de uns dias encontrei um bilhetinho na minha caixa de correio que dizia assim:

Gostei do jardim, é bom poder de manhã ao levantar e ler, em meio a tanto cinza, uma poesia em seu jardim.

Afastei-me um tempo do meu etilicolar para uma viagem turistetilica e quando retornei, as rosas tinham florescido no jardim, assim como as palavras em minhas poesias.

Mato convivendo com cravos, sementes e semânticas, verbos irregulares, bocas de leão, rima, mimosas, versos com ou sem métrica, Bakthins, Guimarães Rosa e simplesmente rosas, Noel Rosa e mais rosas, sem ervas daninhas, porém com milhares de muxibas caindo dos apartamentos.

Lá vou eu reclamar no meu formato Schwarzeneger com o porteiro, ele ficou com muito medo achou que eu ia lhe dar umas porradas, nenhum efeito.

E bitucas de cigarro a cair, diversas marcas, e sem advertência, que acabar com as palavras faz mal a saúde.

SAÚDE E SABER SÃO OS MALES DO BRASIL.

Outro dia estava no mercado municipal olhei para dois versosvioletas e eles olharam para mim.Pronto, mais dois habitantes para o meu lar, que devido ao jardim já havia deixado de ser etilicolar a muito tempo.Outra visita ao mercado mais dois cravopoesias, agora de roqueiros brasileiros.

E gimbas e ossinhos de frango,papel de chocolate caindo do céu.

Estava chegando de uma nova viagem, após uma estrada interminável, tinha viajado durante toda a noite, de copo em copo, quando ao parar para abrir o portão sou abordado por um homem estilo baiano, coronel que se diz engenheiro civil morador do edifício. Ele me comunica, sabedor da saberbotagem, que a única pessoa que pode estar jogando os dejetos na minha casa é uma velhinha do terceiro andar.

Eu na pressa e no cansaço que além da viagem e da cana me é peculiar desconversei e entrei em casa. Hoje aos regar os versosvioletasa e os cravopoesias e cuidar deles na minha loucura, vi a velhinha na janela, doce e serena feita uma flor. Debruçava-se para melhor ler as últimas palavras brotadas. Tenho certeza que foi ela que enviou o bilhetinho e talvez até seja ela que mande uns ossinhos, mas as bitucas de cigarros só pode ser um maldoso inimigo da única forma de salvar o planeta.

A Poesia e as palavras.

Luiz Zanotti
Enviado por Luiz Zanotti em 11/06/2009
Código do texto: T1643081