Outras crônicas boanovenses
Para esquecer um pouco das tantas agruras que ultimamente têm inspirado meus textos, resolvi buscar mais alguns motes na comunidade orkuteana “Casos & Causos de Boa Nova”. Criada em março de 2006 para servir de referência aos boanovenses, como eu, que morrem de saudade da terra natal, esta comunidade anda esquecida até mesmo por mim, que a coordeno.
A seguir três pequenas histórias contadas, respectivamente, pelos conterrâneos Márcio Celes, Karina Moraes e Renato Pedrecal. A primeira tem como protagonista um artesão local que ainda faz maravilhas com madeira. Com mais de 80 anos, Exupério Celes (Perinho) é também conhecido por sua sabedoria popular e também por seu propagado medo de fantasmas.
Certa vez Márcio perguntou a Perinho se ele tinha medo da morte. Este parou, coçou o bigode e respondeu que não, que seu medo era outro... Com uma voz pausada (como se espera de um baiano típico) e com seu palavreado peculiar, Perinho completou: "fico imaginando eu, morto, deitado no caixão, ali no velório cheinho de gente... Uns rezando, uns chorando minha falta, uns rindo e falando bestaje [mistura de besteira com bobagem] no canto da sala, outros tomando café preto com avuador [biscoito crocante feito com polvilho azedo]... Depois aquele mundaréu de gente saindo aqui de casa e acompanhando meu enterro até o cemitério. Isso é até bonito de imaginar! Meu medo mesmo, meu fi, é depois que meu caixão descer pra terra o povo todo voltar pra casa e eu ficar lá sozinho com aquelas alma penada."
A segunda história é sobre um anúncio inusitado lido por um locutor em plena Festa de Nossa Senhora da Boa Nova – padroeira da cidade, que dura nove dias e chega ao seu auge no dia 8 de setembro. Conta Karina que o fato ocorreu na manhã do dia 7 de setembro, durante as apresentações cívicas em comemoração à Independência do Brasil.
Com a praça tomada por estudantes em pleno desfile e por centenas de pessoas que o assistiam, eis que o locutor que narrava tudo do palanque central, onde se encontravam as autoridades municipais e estaduais, lê o seguinte anúncio: “atenção, atenção! Temos aqui conosco uma dentadura que foi perdida durante o show de ontem à noite e encontrada no chão, próximo à barraca de maçã-do-amor”.
Nem é preciso dizer que o anúncio provocou muitas risadas e a natural curiosidade coletiva em saber se algum “boca murcha” iria aparecer para reivindicar seu pertence. Para surpresa de todos, apareceu de repente na lateral do palanque um conhecido pedreiro da cidade de pré-nome Melcides. Foi uma gargalhada geral. Para disfarçar e evitar mais constrangimento, o locutor disse que o dono tinha avisado que iria buscar a dentadura à noite, no palco principal da festa. Não adiantou a emenda; Melcides virou a bola da vez para os gozadores de plantão.
Finalmente, a terceira história é a de um rapaz que arranjou uma namorada num fim-de-noite, quando tudo parecia sem esperança para ele. Ambos já tinham “tomado todas”, de modo que quando foram para um quarto providenciado por amigos para aconchegar os pombinhos, a namorada começou a passar mal.
Não havia mais o que fazer, muito menos qualquer clima para romance. Só restou ao rapaz procurar um conhecido de todas as casas em Boa Nova até a década de 80: o velho e bom urinol (pinico) esmaltado. Ele o entregou à moça, virou o rosto e disse: "toma, vai vomitando aí". Sem poder sair do quarto para não parecer insensível demais, o rapaz foi obrigado a ouvir uma sequência de "huu”, “argh”, “gasp”, “oouuuugo”, “casp”, “huáaaa”, “schóóóó”, “teng"... "Epa! Pensou ele. Teng??? Este barulho não faz parte". Foi quando ele percebeu que a garota tinha mandado junto com o vômito a própria dentadura, que se denunciou ao bater contra o esmalte do pinico. Nunca mais conseguiu olhar para a ex-namorada, nem contar esta história para mais ninguém.