Seja Feliz ... a qualquer preço!
Fátima Irene Pinto
 
Nunca as editoras e os escritores dos livros de autoajuda faturaram tanto.
Uma verdadeira e requintada indústria que envolve, além de livros, os mais bizarros tratamentos, as mais tolas teorias sem nenhuma fundamentação, as seitas mais disparatadas, as crenças mais inverossímeis, as práticas mais estranhas.
As pessoas, no desespero, embarcam!
 
As mensagens de pregação da felicidade a qualquer preço chegam aos borbotões no meu correio e sinto-me novamente derrotada pelo excesso, sinto-me derrotada pela falta de bom senso e pela visão míope e distorcida dos que negam o sofrimento ou supõem que dele possam se esquivar.
Se Fernando Pessoa estivesse vivo, por certo ele experimentaria um desencanto ao ver o seu "Poema em Linha Reta" esquecido num canto, levando a sentença de poema mórbido.
 
Eu mesma já escrevi e escrevo mensagens no gênero (quando minha alma realmente sente e acredita no que escreve), mas nunca neguei a importância da dor em nossas vidas e, se tenho várias mensagens e crônicas de vivências positivas, tenho também os meus relatos de sofrimento e enxovalhos.
Estes relatos sinceros quase sempre em forma de poemas, muitas vezes me deram a alcunha de escritora triste ou amarga, pelo simples fato de ter a coragem de assumir que, se tenho um lado feito de luz, fé e esperança, também tenho um lado que sofre como qualquer mortal.
Já conheci o medo, o pânico, a depressão, a carência, o caos. Já fiquei na corda bamba por vezes incontáveis, já vivi situações limite, já dei de cara com problemas sem solução ou de difícil integração.
Em resumo já cantei " a canoa virou" a perder de vista.
Mas, afinal, quem de nós já não cantou?
Novamente me lembro do F.Pessoa, quando ele diz:
"Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?" 
 
Quando partilho uma prece ou mensagem de encorajamento, ela roda, roda, roda. As estatísticas do site disparam e ela é repassada, recomendada e sai pelos quatro cantos da Net.
Quando me ponho a escrever das minhas (ou das alheias) dores, baixa a audiência.
Feliz de mim que não ganho um tostão para manter a audiência e por isto me permito ser somente aquilo que sou e escrever apenas aquilo que sinto.
Canto, em prosa e verso, as alegrias e as tragédias, os amores e saudades, as vitórias e as derrotas.
Eu canto a luz com paixão, mas também falo das trevas e dos vales sombrios porque ambos estão em mim, assim como estão em você que está lendo esta crônica.
 
Sem fazer apologia da dor, ela nos visita, sim, e não vai embora enquanto não tiver cumprido a sua função.
Não adianta fugir, não adianta apelar, não adianta viajar, não adianta consultar profissionais destas estranhas terapias que crescem e aparecem a cada dia, nem ler incontáveis livros de autoajuda. Você foge dela aqui, mas ela o aguarda na próxima esquina.
 
Quando chega a hora da depuração há que se sofrer com categoria, com dignidade, com autenticidade, em atitude de reflexão e recolhimento no nosso foro íntimo.
Há que se tentar entender o que esta dor está querendo nos dizer.
Se é algo impactante e caótico, há que se aguardar que o tempo passe e nos mostre logo adiante, as grandes melhorias ocorridas, as grandes limpezas de lixos que nos emperravam e nem percebíamos ... ou o belo jardim que nasceu após a  dolorosa poda do destino ... ou o quanto crescemos e exercitamos certas qualidades que sequer sabíamos ter.
 
Tem que deixar doer, doer tudo. Tem que chorar tudo, tem que drenar o abcesso e deixar vazar toda a impureza.
Esta é uma hora de entrega, flexibilidade e humildade perante os desígnios sempre certos de Deus, embora aparentemente incompreensíveis aos nossos olhos.
As marés têm fluxos e refluxos.
A dor não é, nem nunca foi, uma inimiga.
Ela só se torna inimiga quando a negamos ou quando nos recusamos a ouvir o seu recado que é apenas um:
- Você tem andado na contramão da vida. É tempo de mudar de rota.
 
 
 
 
 
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Fátima Irene Pinto
Enviado por Fátima Irene Pinto em 30/04/2009
Reeditado em 12/06/2009
Código do texto: T1568617
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