O ESPAÇO E O TEMPO
Em 1984, conheci as cidades do México e Nova York, dentre outras. Pouco depois de meu retorno, o centro da cidade do México veio abaixo por causa de terremoto. Deixei de comparecer a um jantar marcado no restaurante panorâmico das Torres Gêmeas, porque resolvi assistir a uma peça de teatro na Broadway, Evita. Anos depois, aconteceu o 11 de setembro e as Torres viraram pó. Tanto Nova York como a Miami que conheci pouco têm a ver com as cidades que vejo no cinema.
Funchal, na Ilha da Madeira, em 1967, era um reduto medieval e bucólico. Quando a seleção de Portugal venceu Inglaterra e Espanha, na Eurocopa, sob o comando do grande Felipão, não acreditei ao assistir, pela tevê, à festa nas ruas de uma Funchal moderna, pujante e populosa. Irreconhecível, vocês não podem acreditar como mudou. Poderia citar muitas outras cidades que conheci nos últimos quarenta e tantos anos e que, ao revê-las mais tarde, fiquei boquiaberto pelas impressionantes transformações ocorridas. Nem precisaria ir tão longe: quando retorno de férias mais longas, há geralmente sutis mudanças na fisionomia de Porto Alegre, que, na soma dos anos, acabam por desenhar um novo mapa, uma nova moldura urbana. No edifício em que já residi, na Fernando Machado, por exemplo, “ontem” era um terreno baldio, onde meus irmãos brincavam. A Livraria do Globo – a mais tradicional da cidade – onde lancei meu primeiro livro de crônicas em 1998, virou loja de tênis e, amanhã mesmo, vou verificar o local, porque acho que já está diferente. Abandonaram o Estádio Olímpico, glória de um país, e, inclusive, o badalado e internacional Gruta Azul da Avenida Farrapos.
Ao contrário das pessoas, as cidades podem rejuvenescer. Paris e Lisboa, por exemplo, são bem mais jovens e pulsantes do que há quarenta anos; quem ficou mais velho fui eu. Há algum tempo, fui explicar como chegar a certo endereço e falei “dobra ali em frente ao Necrotério Municipal”. Mais tarde, o amigo simpaticamente esclareceu que, há muitos anos, o necrotério tinha sido removido. Enfim, tudo o que você está conhecendo pode exigir revisita: a paisagem muda, as pessoas mudam e a nossa sensibilidade também. O sentimento de nostalgia é inevitável.
Às vezes, até me pergunto se realmente vale a pena conhecer novos lugares, já que, em não muito tempo, estarão bem modificados. Doces recordações do "La Source", no Boulevard Saint-Michel, em Paris, onde se comia um "croque-monsieur" divino e barato e que, hoje, nem mesmo os parisienses recordam. Aquilo era a cara da cidade.
Se estiver viajando, tire fotos, filme, anote, aproveite, porque as coisas ficarão rapidamente diferentes. Quando não mudam por fora, mudam por dentro. Antigamente não era assim, o mundo girava mais devagar; lá em Encantado, durante séculos, a mercearia ficava no mesmo prédio, o barbeiro era o Simonini, o fotógrafo era o Hugo Peretti, o sorvete a gente ia comprar no Cardênio, a gurizada disputava peladas inacabáveis nas "canchas" e frequentava-se a praia de seixos e terra escaldante no "Picão", aos domingos, tudo imutável, inclusive preços. Nós mesmos não nos transformávamos tanto. Xangri-lá, por exemplo, era uma dúzia de casas de veraneio, dunas, cercas de taquara, banhados e o imponente Hotel Cassino, barbaramente desmanchado: no mar, havia muitos siris, conchas, estrelas do mar e as perigosas mães d'água. Mas Porto Alegre também já foi serena e romântica de literatura, na era dos bondes, dos bailes de clubes, dos cinemas apinhados, do Matheus, Treviso, Lajos, Floresta Negra, Sherazade e do Encouraçado Butikim. Vejam só, para falar com a namorada na Vila Assunção, ligava-se para uma central telefônica de lá.
Mas assim é o tempo na sua marcha inexorável, que nos transforma de criança em adulto num piscar de olhos, ainda mais velozmente do que se alteram as nossas circunstâncias. Basta que a gente folheie o álbum de fotografias para captar este sentimento do efêmero. Mudam até mesmo as nossas famílias. O que resta é a certeza de que o futuro nos chama e que tudo é sempre novo, mesmo quando se repete.