SAPATADAS (DA PAZ E DO AMOR!)

Em mais uma coletiva de imprensa cheia de surpresas, um jornalista, novamente, atirou um sapato contra o entrevistado em questão. Da última vez Muntazer al-Zaidi, jornalista iraquiano, jogou seu sapato contra o ex-presidente dos Estados Unidos George W Bush. Com isso o homem conseguiu um feito histórico! "Uniu" sunitas e xiitas (nem que fosse por apenas um dia), que saíram às ruas protestando contra sua prisão. Dessa vez o atirador de sapatos foi Jarnail Singh, que trabalha no diário local Dainik Jagran, e arremessou o seu calçado contra o ministro do Interior Indiano P. Chidambaram, investigado por envolvimento em uma onda de violência que levou a morte de milhares de pessoas. Jornalistas revoltados com as ações comandadas outrora por presidentes, ministros, etc.

Nada justifica a violência, isso é irrefutável. Mas nesses casos eu até consigo entender esses atiradores de elite (contanto que calçem até 40). Lutadores, quiçá por anos, de causas que os atingiram direta e indiretamente; que perderam o emprego para as crises de guerra; que perderam o lar pela fúria da indústria bélica; que perderam amigos e parentes em ataques sem desculpas. Esses homens descobrem uma maneira de liberar toda aquela raiva alimentada por anos inteiros de violência; de matanças sem volta que não envolvem apenas um culpado, mas vários; Descarregar tudo isso em cima de um único ponto perfeitamente delineável no espaço... não é inteiramente justificável, mas é completamente compreensível.

Espero, sinceramente, que não vire moda. Sair jogando sapatos por aí. Daqui a pouco, a exemplo do dia internacional da guerra de travesseiro, haverá a guerra internacional de sapatadas. Pode acabar machucando alguma criança.

As verdadeiras sapatadas deveriam ser as internas. Para esvaziar, toda aquela mágoa que você guardou por muito tempo, de uma só vez. Aquela briga que envolveu a roda inteira dos amigos de futebol do bairro. Aquele mágoa que você guarda até hoje da ex-namorada e da ex-sogra. Aquele impasse não resolvido entre você, seu filho e seu pai. Dizer que um pedido de desculpas, um abraço e um copo de cerveja resolvem tudo é fácil. Mas isso é como adulterar a data de validade, enquanto o produto dentro da embalagem ainda está ruim para consumo. A verdadeira mágoa fica lá dentro, escondida no coração entre o átrio esquerdo e o o ventrículo direito. E agora é chegada a hora de você tirar os seus sapatos e encontrar os culpados por toda essa amargura.

Primeiramente pegue aquela velha chuteira no fundo da gaveta, que você não usa mais, mas também tem dó de doar, e atire com força em sua Hipocrisia. Depois se esconda sem demora atrás do sofá, pois se ela não desmaiar, te acusará de ser irresponsável por jogar a chuteira, mas não demorará para começar a jogar sapatos de volta. Respire fundo agora e sinta o prazer de poder ter dado um jeito naquela sem-vergonha! Talvez agora ele tenha aprendido a lição! Pronto! O futebol de sexta com o pessoal do bairro está dando as boas vindas novamente (e sua barriga se despedindo!).

Agora resgate aquele seu Kichute, que você estava usando quando deu seu primeiro beijo. Está na hora de usar ele para uma causa maior. Se prepare agora para acertar seu Egoísmo. Mire bem para não errar e jogue com vontade. Depois corra bastante, pois o Egoísmo não costuma aceitar muito bem opiniões contrárias, que dirá sapatadas. Parabéns! Agora você não precisará mais fingir que não conhece sua ex quando vê-la. Pode abrir um largo sorriso, cumprimentar, e quem sabe um dia possam até ser bons amigos. E a ex-(ufa!)-sogra? Bom, deixemos isso para outra crônica!

Finalmente, recorra àquela pesada bota que você usava para pescar nos fins-de semana entre os homens da família. Está na hora de dar um jeito nesse seu Orgulho. A dica aqui é chegar silenciosamente por trás, e colocar a bota a uns dois metros de altura. Depois é só soltar essa bigorna que você chama de calçado, e pronto. Você acaba de esmagar seu Orgulho! Saboreie então cada momento de pura satisfação por ter dado um jeito nesse monstrinho incômodo. E agora não perca mais nem um minuto para marcar aquele sabadão de pescaria com o maior pescador (seu pai!) e o melhor caçador de minhocas da face da terra (seu filho!).

Não me surpreenderia nada se na próxima coletiva de imprensa colocassem uma grande placa na porta com os dizeres, em letras garrafais: "Entrada permitida apenas com os pés descalços. Favor, deixar seu sapato na chapelaria". Ainda bem que essa idéia não se aplica, no mundo das virtudes, às coletivas do cotidiano (as mesmas que chamamos de reflexões). Essas sapatadas sim, ao contrário das reais, são da paz e do amor, já que, quanto mais vezes acertamos, menos pessoas saem machucadas.

Josadarck
Enviado por Josadarck em 07/04/2009
Reeditado em 27/08/2010
Código do texto: T1527395
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.