O Tesouro Escondido

Ninguém marcava compromisso algum para as sextas-feiras. E nem precisava de agendar nossa tarefa, que já estava mais que sacramentada. Depois do almoço, as vasilhas precisavam ser lavadas sem demora, porque todos os tabuleiros e assadeiras seriam preparados, untados e enfarinhados, para a confecção de quitandas que davam para quase toda a semana. Passávamos a tarde ali, batendo a massa dos bolos, das brevidades, sovando, numa gamela de madeira, a massa dos biscoitos. O forno do fogão a lenha já estava sendo aquecido. Era grande nossa satisfação, quando já tínhamos as roscas trançadas e os bolos já assados e colocados num balaio de bambu, que era depois, guardado num armarinho de madeira. Os biscoitos davam mais trabalho, porque eram enrolados um a um. Ficavam deliciosos, não se pode negar! Um deles me deixava implicada pela "ciência" do seu feitio. Primeiro era cozido, escorrido para depois ser assado.

Nosso primo Chico Vilela era fã incondicional dessa quitanda caseira, e isso ele demonstrava pela visita que nos fazia toda sexta-feira, à noite.

Primeiro, ele batia um papo com meu pai, e, logo a seguir, se empolgava contando as estórias de “tesouro escondido”. No relato, havia viagens em carro-de-boi, que ia cantando pelas estradas, iluminadas apenas pelo clarão da lua cheia, em misteriosas sextas-feiras. Parece-me que as almas penadas davam as pistas do caminho! Havia pio de coruja, havia casas velhas abandonadas, e dentro de baús, estavam tesouros guardados. Só que essas moedas e jóias de ouro nunca foram encontradas. Mas a estória era repetida na outra semana, deixando a sensação de que chegaria a hora do baú ser desenterrado.

Nós éramos pré-adolescentes e tínhamos muito medo das estórias do Chico. Era um alívio, quando minha mãe avisava de que a “mesa do café” já estava arrumada.

E aí, saboreando bolos e biscoitos, Chico ira se lembrar de algum outro tesouro?

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 04/05/2006
Reeditado em 04/05/2006
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