A MISSA DO INÁCIO

Quando morávamos na Travessa Santa Casa, tínhamos um enorme quintal. Ele era bem distribuído, uma parte para a horta e a outra era destinada à criação de galinhas. Elas eram mais de trinta, e algumas recebiam nomes especiais. Inácio, meu irmão caçula, de sete anos, apelidara a dele de Cecília Meireles.

Ele tinha um grande xodó com aquela poedeira. Toda tardinha, Inácio se aprontava para celebrar a sua missa. Amarrava um lençol às costas, subia na caixa diluidora, e dava início à cerimônia. E na ausência de fiéis, ele convocava sua sobrinha, Maria Teresa, de apenas três aninhos, e a Cecília Meireles para participarem de sua missa. E não faltava a homilia, que consistia apenas no pequenino dizer: “estas palavrias”...

E vocês me perguntarão: e a Cecília Meireles assistia à missa? Eu digo que sim, porque Inácio preparava para ela uma deliciosa refeição para logo após a missa: arroz com feijão que ele amassava bem com suas mãozinhas, formando aquela deliciosa bolinha. Com todo esse carinho, não havia Cecília que resistisse!

Houve um tempo em que usava decorar poesias no curso primário. A professora de minhas irmãs gêmeas passou como “Dever de Casa” decorar a poesia:

A Canção dos Tamanquinhos

Cecília Meireles

Troc... troc... troc... troc...

ligeirinhos, ligeirinhos,

Troc... troc... troc... troc...

vão cantando os tamanquinhos...

O pequeno Inácio ouvia, o dia inteiro, as irmãs recitando alto a poesia com o nome da autora. Ele encantou-se com o nome e apelidou a sua galinha de estimação com nome de tão alta personagem do mundo das letras. Não quero que nossa poetisa revire no túmulo, vendo o seu nome dado a uma galinha. Mas aí falou alto foi o carinho de uma criança.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 03/05/2006
Reeditado em 27/05/2006
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