Situações cotidianas

As pessoas são engraçadas. Confrontadas com determinados estímulos ou situações agem de maneira diametralmente oposta. Por vezes penso em uma sociedade em que as pessoas tivessem câmeras filmadoras invisíveis sobre suas cabeças. Ela seria uma câmera de última geração e captaria as emoções vividas durante um dia. Todas as noites em que fossemos dormir elas arquivariam os dados em um grande HD, infinito, até o momento de nossa morte.

Aos homens e mulheres seria permitido de tempos em tempos acessar os dados. Apenas a título de aprendizado. Tais momentos seriam em número restrito, mas, todos, de maneira sobrenatural saberiam, quando o momento da revisão chegasse. Estes momentos seriam especiais e únicos.

Estava pensando nisso após ver o noticiário e ouvir de um caso em Curitiba. Um casal divorciado estava brigando e a porta do carro abriu, o filho caiu do carro em movimento. O pai, nervoso, saiu do carro e vendo o filho chorar com o braço quebrado, ainda deu um chute no menino. Este seria um momento para o HD ser acessado. O pai voltaria no tempo por um instante e lembraria outro tempo. Quando o choro do filho na sala de parto, era o som mais esperado por todos. Quanto alívio e felicidade seu coração sentira naquele momento.

Um pai no metrô, com três filhos pequenos que faziam algazarra a tal ponto de irritar profundamente os passageiros. Naquele momento muitos passageiros estavam pensando: “Por que este infeliz não faz nada? Teve os filhos, e não cuida deles?”. Um homem, irritado, externa o pensamento coletivo, interpelando o pai que responde: “Desculpe senhor, minha esposa faleceu, acabamos de vir do cemitério onde a sepultamos, não fazia idéia que os meninos perturbavam você. Desceremos na próxima estação, mil perdões.” Sim, a câmera seria moderna a ponto de fazer o flashback em instantes.

O relacionamento entre pais e filhos teria um auxílio. Um adolescente que vê sua balada cancelada por seu pai, fica irritado a ponto de trancar-se no quarto e não querer ver o patriarca por dias. A câmera seria fenomenal. Pois lembraria o garoto o dia em que seu pai pulou na quadra de basquete para defendê-lo de uma briga que iniciara. Aos chutes e murros gritava: “No meu menino ninguém coloca a mão”, e o quanto a presença do “velho” foi importante naquele dia.

A engenhoca poderia ser muito utilizada entre os casais. Sim, seria útil. Poderia fazer ambos lembrarem que momentos que hoje irritam profundamente, no passado eram motivos de risadas. Que os carinhos que hoje não existem, outrora foram os mais desejados. Que o amor impossível é o que agora os move para frente em direção da eternidade. Que o sexo antes indispensável não faz mais tanta diferença com a idade. E que as mãos calejadas da vida quando se encontram são suaves como a lã.

Mas minha idéia já nasce com um defeito. Ela é eficaz em fazer a pessoa confrontar sentimentos em situações ao longo da vida. Ela é eficaz em fazer o indivíduo pensar sobre suas atitudes. Mas infelizmente, pode não ser muito boa em alcançar as outras pessoas. Explico. É que determinadas situações nos fazem refletir e isso influencia positivamente nossas vidas e a vida de pessoas que estão à nossa volta. Mas, por vezes, isso é impossível, pois, já é tarde demais.

Um homem que durante o namoro é um príncipe com a namorada, seus familiares e amigos. Após o casamento, torna-se um sapo. A câmera o ajuda, mas, talvez as marcas deixadas na esposa e familiares dela não possam ser apagadas, mesmo que hoje o relacionamento tenha voltado a ser o que era na época do namoro. Da mesma forma, o presente dado após certo tempo de ausências, não tenha o mesmo efeito para quem recebe como em tempos passados. Os momentos de afago e carinho, as palavras que elevam e as atitudes positivas já não são alcançáveis quando perdemos nossos entes queridos.

A idéia é boa, mas nem tudo pode ser resolvido com uma idéia só. Por isso, cuide bem de quem você ama, pelo menos até que alguém melhore minha idéia.